SAIBA... OU NÃO; O DESTINO DA MINHOCA

Férias, muitas férias, muita gente nessa condição. O tempo aqui chega a parar. Uma estação morta, um abandono e um silêncio que é um chamariz de tédio. Não há quietude, mas pasmo. Nem

uma mosca ao menos emite um zumbido em sinal de vida.

O vento abandonou a cidade e foi talvez soprar as velas do mar.

Olho o pátio absorto e indolente. Um pauzinho seco mancha a brancura das lajes. Ergo-me empunho uma pinça e vou recuperar a brancura do painel. Mas, óh...o raminho seco, não está seco e desliza ondulante como um fluido .

Afinal há vida na terra!!

Uma minhoca morena, elegante, ondulante, como que flutuava no pátio, confiante neste deserto de silêncio e nas férias dos predadoreas humanos.

Eu calado, quieto e vazio no entanto, não estou de férias e anseio por uma preseça, um ruído, ainda que sussurro, um gorgeio, um grilar, a rela de uma cigarra, mas... nada.

De um para outro automóvel que desce a rua o espaço é imenso e fica oco e calado como eu.

Não sou pescador respeito a vida e só saber que existe é motivo para tomar “a vida” na ponta de uma pinça e depositá-la no vaso ao canto do páteo. O húmus é bom, fervilha de matéria orgãnica e, como um cientista coloco o verme, sem ofensa que o termo é feio, num autêntico caldo de cultura sem pretenções de estudar o resto.

Recaio no poço de tédio, sentado sem pensar ver ou ouvir, gozando a estática estética de estátua, mas sem me comparar ao “Desterrado” que sofre de saudade, nem ao “Pensador “ que mergulha a lucidez do espírito na gruta da sabedoria a extrair. Eu....não passo de uma estátua sem sinais de vida.

Eis senão quando, movendo os olhos para o pateo branco um risco escuro mancha de novo a minha branca imagem do lajedo. Desta feita não serei enganado, dscongelo o espírito e o corpo e de mãos limpas e espírito aberto, olho de novo a vida por um fio que desliza, serpenteia e ondula em curvas vertidas no pateo plano quebrando a geometria de Euclides.

Inclinei-me desta vez curioso, e de cócoras interroguei a vida rastejante. Expetante segui por minutos o percurso misterioso. Afinal “a vida” recusou os pitéus e a frescura do vaso onde a fiz depósito e surge de novo na aridez do pateo, onde o risco de vida é elevado.

Após uma observação de biólogo ignorante ergui-me dorido da meditação. Há seis décadas atrás suportava as cócoras por horas encantadas e felizes sondando carreirinhos de formigas ou fazendo cócegas com palhinhas nas luras dos grilos para os soltar do lar para caixas de fósforos e daí para gaiolinhas compradas na feira e já com mesa posta de serradela e alface, cárcere de luxo e esperança de ouvir ao serão o cântico da paz, o encântico gri-gri...gri-gri...gri-gri... do sono eminente, do sono inocente.

Agora elaboro uma teoria adulta, interrogo o destino da vida. Para onde se dirige a minúscula onda coleante? Porque recusou o habitat que lhe ofereci? O que a atrai afinal ? Para onde vai? Porquê? Tem um sentido a vida? Porque rasteja rumo ao Norte, mas recua, flecte à esquerda e à direita explorando a rosa dos ventos ou talvez ventos que eu não sinto? O que a atrai? Estará perdida? Traça ou troça do destino.

Envolvo-me demais na vida privada da minhoca e sinto-me como Kafka em metamorfose, preso a um dilema e a uma angústia. Queria saber todo o percurso da vida e enredei-me nela, perdida a inocência de criança, quando a sorvia sem me importar qual o seu princípio e o seu fim.

Agora de novo de cócoras ante a vida espreito-a no destino da minhoca, espelho de angústia mas também de fé no húmus fértil de onde irei ressuscitar como a minhoca.

Arbogue
Enviado por Arbogue em 23/08/2008
Código do texto: T1142694
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