"Até Tu, Millôr Fernandes?" =Crônica sobre romances=

Quanto mais vivo mais chego à conclusão de que ninguém neste mundo é digno de admiração total e constante quanto à sua intelectualidade. Hoje foi a vez de Millôr Fernandes, a quem sempre admirei muito, decepcionar-me.

Desde menino sou leitor de Millôr Fernandes. Já li e reli com prazer muito do que ele escreveu nas revistas, no saudoso "Pasquim" dos tempos da ditadura, e seu livro “A Bíblia do Caos-Millôr Definitivo” (ou coisa parecida) foi uma das boas coisas que adquiri em minha longa carreira de leitor.

Hoje, lendo o artigo dele na revista “Veja”, de 28 de maio do corrente ano, uma frase chamou-me a atenção, incomodando-me:”não falo de romances, na maior parte, mesmo os bons, apenas bobagens”.

Bobagem, em minha opinião, é escrever tal frase ridícula. “Mesmo os bons, apenas bobagens”!! É de lascar ler uma coisa dessas escrita por um autor a quem a gente admira há muito tempo.

Será mesmo que a busca da cultura, da ampliação de horizontes, do conhecimento, mesmo que em pequenas proporções, do restante do mundo através da literatura, da leitura de romances, pode ser chamada de “apenas bobagens”? Duvido. E faço pouco.

Se entre os mais de 5.000 livros que ele alega ter lido (aliás, uma quantidade nada exagerada para a idade que ele tem e pela profissão que exerce) não foram incluídos romances, “mesmo os bons”, de que terá sido feita toda sua inegável –e imensa- cultura? Apenas de dicionários, enciclopédias, livros técnicos, gramáticas, biografias? Fiquei curioso.

Romance não é apenas bobagem de jeito nenhum. Através dos bons romances, das obras escritas por bons autores, leva-se uma parte do mundo até as outras; troca-se conhecimentos de uma forma envolvente; dá-se um pouco a conhecer sobre as mais diversas culturas, épocas, locais, tragédias, costumes, acontecimentos marcantes; desenvolvimento dos povos; enfim, em minha modesta opinião, o romance é a mais envolvente, eficiente, marcante e imprescindível forma de comunicação duradoura já inventada até hoje. E continuará sendo por muito tempo ainda.

Duvido, e muito, que Millôr Fernandes não tenha lido uma grande quantidade de romances pela vida afora. Uma das fontes de seu humor, muitas vezes amargo, mas sempre excelente, só pode ser o romance.

Mas quem sou eu pra discutir com o merecidamente consagrado filósofo brasileiro? Ninguém, sei disso. Mas continuarei, até o fim dos meus dias, ou de minha visão, cometendo a gostosa bobagem de ler, também, romances. Dos bons, de preferência.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 25/08/2008
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T1145719
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