A terra das moedinhas

Uma bela tarde no Mercado popular do SAARA no Rio de Janeiro, ou poderia ser na rua 25 de Março em São Paulo. Permite-se que seja em Caruaru, Belo Horizonte, Salvador ou Santa Efigênia do Açude de Dentro, não importa a praça e sim o preço. E lá vende-se de tudo, comes e bebes; aviamentos; bebes e tropeças de tão bêbado; acessórios para carros, carangas, latas velhas e turbinados; roupas e roupinhas de cima e de baixo para todos os gostos (mulher bonita não paga, mas também não leva...). A única unanimidade é a boa prática do “preço, 99”

“Freguesa, esta mercadoria de ótima qualidade é só R$4,99, ta baratinho hoje, mas leva logo que o patrão mandou aumentar amanhã, falei?” e lá vai a freguesa sacar seus suados R$5,00 da bolsa para pagar a mercadoria de alta qualidade. Alguém já viu um comerciante dizendo “eu vendo mercadorias de baixa qualidade!”? Até aquele peixe que jaz esquecido no balcão de aço repleto de gelo naquela feira que empesteia a sua rua com cheiro de lixo tem qualidade, mesmo quando suas guelras se assemelham àquele batom roxo da sua filha adolescente. Mas voltando ao preço da mercadoria, nossa amiga freguesa entregou a nota de R$5,00 e recebeu seu embrulho e junto dele....nada! nada? Ué, mas não custava R$4,99? E a moeda de R$0,01?

Invisíveis aos nossos olhos humanos, uma luz muito intensa banha a caixinha de madeira onde repousa o dinheiro do comerciante. Não podemos ver ou ouvir, as freqüências sonoras não atingem nossos ouvidos, mas vindo de uma outra dimensão, uma força gravitacional intensa leva a moedinha de R$0,01 para a TERRA DAS MOEDINHAS! Numa viagem que dura um átimo, uma moeda é abduzida e vai juntar-se à suas amigas para viverem numa dimensão paralela, um mundo de paz e harmonia, onde elas não correm o risco de serem derretidas em imensas fornalhas industriais, transformadas em novas moedas e sei lá mais o que. Elas estão livres, leves, soltas, em comunhão, um êxtase coletivo, o nirvana monetário, o céu. Mas este céu é organizado, dividido, departamentalizado, um primor de administração de espaços físicos, e eis que lá, mais à frente encontra-se uma colônia de...GUARDA-CHUVAS!

Sim é isso, por isso ninguém encontra guarda-chuvas, apenas os perdem! Eles também são abduzidos, retirados do nosso convívio, organizados conforme as cores e formatos (se fosse conforme a procedência, todos seriam chineses). Quem já achou um guarda-chuva deve ser comportar tal qual quem vê o Peter Pan, só ele acredita! Mas esta terra guarda muitas surpresas, é grande e generosa e caminhando por verdes vales encontramos...VIRA-LATAS! Sim, está respondida a grande pergunta que há séculos aflige a humanidade: Para onde vão os cachorros? Viu? Eles vem para cá. São uma espécie de mensageiros, transitam entre os mundos, as dimensões, são os médiuns, os detentores das chaves interdimensionais. Maravilha de totó!

E as carteiras de identidade? Será que aqui elas tem um local onde descansam por toda eternidade? Libertas da opressão das carteiras apertadas, das idas e vindas às recepções de empresas onde seu número é lido e relido milhares de vezes, numa invasão de privacidade brutal. Não as carteiras de identidade sempre voltam, vão para os “achados e perdidos”, os correios, as lotéricas, pois possuem a foto de um humano, um vínculo muito forte que não permite que elas quebrem o perispírito e atravessem o portão dimensional. Concluímos que a Terra das Moedinhas é um local onde somente os objetos esquecidos habitam e prosperam. Mas concluímos cedo, pois num canto estéril e esquecido do vale (porque toda terra encantada tem que ser um vale?) repousam alguns humanos. Idosos, crianças abandonadas, mulheres e homens solitários, pessoas incompreendidas, surradas pela crueldade verbal do homem, com seu dedo acusador e sua língua ferina, sempre pronto a destroçar orgulhos próprios e amores verdadeiros. Lá neste canto do vale, os humanos esquecidos repousam, com seus guarda-chuvas e suas moedinhas de R$0,01, serenos e conformados, o mundo é assim, às vezes bom, às vezes cruel, mas com certeza, um vira-lata estará lá ao seu lado, afinal, eles vem e vão, sempre.

Arnaldo Ataulfo
Enviado por Arnaldo Ataulfo em 21/02/2006
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