UM LAMPEJO DE ROMANTISMO

Gosto muito de viajar de ônibus. Gosto de admirar a paisagem, as montanhas, o verde rebrotando com força, o cheiro de mato.

Admiro a valentia desse povo pobre e sofrido que mora em seus casebres de zinco e caixas de papelão a beira das estradas.

Eles brotam como grama à margem das rodovias. Enfrentam com fibra e altivez as mazelas da vida.

Numa parada de ônibus na praça central de uma pequena cidade, onde todos os passageiros desceram preferir ficar no meu lugar. Assim fiquei a observar pela janela o vaivém das pessoas.

Um jovem casal andava pela pracinha de mãos dadas vagarosamente, apesar das roupas simples, ostentava no rosto a felicidade do amor recíproco. Com certeza os jovens faziam planos para o futuro.

Mais adiante uma senhora de meia idade também passeava com um garotinho vestido de homem aranha, possivelmente seu neto.

Por ela passou o rapaz do açougue, usando um avental sujo de sangue e a cumprimentou respeitosamente.

No banco da pracinha três homens conversavam animadamente, a eles se juntou um quarto, de chapéu, botas e enorme bigode. Foi recebido com demonstrações de prazer.

Da minha janela eu via o retrato completo da paz e simplicidade, certamente eu poderia acrescentar naquela cena a felicidade.

De repente o ônibus partiu e fiquei a imaginar.

O mundo rodava, o ônibus também. A vida não era nem protagonista nem autora; era figurante. Aplaudia, gostando sinceramente de tudo, do céu azul e do cheiro de mato verde. Como Deus sabe reger o planeta!

Fiquei surpreso com a constatação da perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecido por estar vivendo.

Foi quando tive o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros formem hordas e hordas de miseráveis.

O governo, coitado, não sabe mais o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes. O povo não consegue mais atender a multidão de pedintes que bate a sua porta.

Ainda assim, a vida é maior do que o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada.

Como é certo o respaldo de Deus, num afã de felicidade que pode ser um único dia em sua vida, um pobre coitado daqueles que moram á beira da estrada, sai de seu casebre à noite e maravilhado, num lampejo de romantismo, chama sua mulher e apaixonado diz:

- Veja, meu amor! Repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este? Não vale a pena viver?