Às rosas de O' Keeffe




Herdei de minha bisavó, duas mimosas poseiras da mais fina porcelana branca, talhadas, artisticamente, com ramos em relevo.. São duas peças dignas de encanto, que chegaram ao Brasil, vindas da Inglaterra, trazidas em navio, junto a outros pertences de meu bisavô, conhecido por João Inglês, por ser de origem britânica.

Estas relíquias pertenceram a minha bisavó Ana e depois a minha avó Honorina, que nos contava a história, com muito orgulho de nossa descendência. Minha mãe guardou-as com muito zelo e agora, por um tempo ficarão comigo.

Objetos muito femininos mantenho-os em meu quarto, sobre um móvel onde guardo meus pertences. Mimos, primores de feminilidade que a toda mulher lisonjeiam. Encantam-me os motivos que foram pintados à mão, com fino pincel. São duas bonitas e delicadas rosas que contornam o alto relevo dos ramos. Duas rosas de cinco pétalas, simbolicamente, revelando grandes segredos e o movimento de Vênus nos céus. Metáfora ou não, as rosas, especialmente as de cinco pétalas, representam a divina feminilidade, a transformação da alma humana.

Um mascaramento rígido da venerável sexualidade feminina foi imposto às gerações passadas, exigindo uma conduta politicamente conveniente à época e à ideologia dominante.

Foram relegadas às tarefas domésticas, sem reconhecimento, sem ter direito à cultura, à inclusão social, ao lazer e às decisões, que só ao sexo oposto eram permitidas. A sublime figura da mulher foi associada à imagem do pecado e a ela só era permitido obedecer e servir, servir de objeto da subordinação, um acordo preestabelecido que definia a identidade feminina e masculina.

As delicadas rosas de minhas poseiras são símbolos de grandes revelações: do sublime, do sagrado, da história escrita pela mulher, que se sentindo a outra parte da divina criação humana, inseriu-se corajosamente, num permanente processo social de busca. Mãe e mulher, ela sentiu que a natureza criadora cindiu o homem e a mulher, com o propósito divino de unificá-los, não só na corporeidade, pois os implantou no mesmo espaço e, em medidas iguais. Deus não criou o sexo oposto e dele retirou uma pequena parte para fazer a mulher, mas criou-o e retirou a “sua metade”. E, foi a mulher, que se sentindo a outra parte, foi em busca da completude desse cindido.
Minhas poseiras de porcelana inglesa mantenho como um achado histórico, revelador...

Abrindo-lhes a tampa que guarda os pertences, o espaço é pequeno, diminuto, mas é simbólico, através das suas rosas, insere conceitos de igualdade, participação e partilha entre os sexos. Um ícone revelador de novos tempos. A mulher nos vários espaços da cultura, da sociedade, nos estudos, no trabalho, no poder e até nos esportes radicais, rompendo a muralha do preconceito, sem, no entanto, deixar de ser mulher. A mulher, cujo símbolo foi e sempre será a rosa. A rosa de O’ Keefe que se abre na tela para a leitura do observador crítico. A rosa nas mãos de Maria, mulher. A rosa que as mães recebem, ofertada pelos filhos e pelos seus amantes, em homenagem àquela que porta o receptáculo da vida.

As rosas de cinco pétalas desacobertam verdades, mostram a outra parte do cindido, mostrando a mulher, que hoje não tem vergonha de amar, fazendo mais feliz o seu homem.

E é bom vê-las a cada manhã, como símbolo de conquistas...
As poseiras de fina porcelana inglesa, com suas rosas vermelhas, carregadas por meu bisavô, são os símbolos da feminilidade sagrada que tentava se desvendar, através de figuras e símbolos, já no tempo da minha bisavó.





































Eliza Fernandes
Enviado por Eliza Fernandes em 21/02/2006
Reeditado em 01/04/2006
Código do texto: T114773