ÓCULOS

Há alguns anos comecei a usar óculos. Há alguns anos a vista se distancia de mim, principalmente das letras, logo das letras. Será brincadeira pesada que a vida gosta de tomar? Pouca atenção darei à vida, pois ela adora incomodar.

Faço exames, uso colírios, tudo de acordo com o figurino da oftalmologia quase moderna ao alcance de uma professora. Quando descobrirem algo mais eficiente, esse algo não será para o bico de educadores. Interessante que por mais que façamos tudo correto, mais a vista se afasta, foge. E ainda quando perguntamos ao oftalmologista se é algo grave, uma doença incurável, ele responde tranqüilamente;

_Nada. É apenas a idade. O desgaste natural.

_Que idade?

_A sua mesmo. Nesta faixa da vida tudo começa a ir embora.

_Tem jeito, doutor? Pode operar?

_Não, é disso pra pior. A senhora já está na área de risco. Este colírio é preventivo do glaucoma.

_Meu Deus. Mas eu li sobre uma possibilidade, assim como uma cirurgia na qual se faz uso de um fio especial.

_Ah, sim, sei. Já li sobre o assunto também. Mas quando isto que ainda é uma experiência vier a ser realidade, vai ser para as pessoas muito ricas.

Imagine você que me lê, sou velha, desgastada, deficiente visual e pobre.

Depois de por duas vezes ouvir diálogo semelhante, me pego pensando na época da minha infância. Eu via bem, até demais. Lia na penumbra.

Naquele momento da minha vida de plenitude, e quando a medicina não havia evoluído tanto quanto hoje se diz avançada, observava como os velhinhos compravam óculos.

Havia uns vendedores de óculos nas calçadas do mercado central. Eles ficavam sentados em tamboretes de madeira (hoje temos tamboretes de plástico) e tinham uma mesinha, de madeira também. Sobre a mesinha uma maleta feia e desgastada. Sim, desgastada. Dentro da maleta, arrumados em filas, estavam os óculos. Chegava o cliente e conversava assim com o vendedor:

_Meu fio, eu num tô vendo bem. Você tem um ócro que fique bom em mim? Escoia um bunitinho.

Com uma cara compenetrada, se fazendo de doutor, o comerciante informal, olhava para dentro da maleta. Para valorizar o seu material, demorava olhando, mexendo neles de um lado para outro, fingindo que sabia mais ou menos qual seria o indicado e solicitado.

_Experimente este aqui.

_Num tô vendo direito, não, meu fio. Ta truvo. Veja um miózinho.

Outra pesquisada, agora mais caprichada.

_E este?

_Tá quase no ponto, mas ainda não estou achando bom de verdade

_Tá, mas acho que tenho aqui um que o senhor vai gostar e vai dar certo.

E olhava, limpava com um paninho, virava a favor do sol. Depois virava ao contrário, experimentava nos próprios olhos.

_Agora está uma maravilha. O senhor verá como uma criança.

_Uma beleza, meu fio. Bem que você disse, este foi feito pra mim. Estou vendo tudo certinho. Não tá mais truvo. Óia, que maravia de Deus. E quanto é?