TAMANDUA `A MODA XAVANTE

TAMANDUÁ À MODA XAVANTE

Quando Jairo e eu visitávamos a aldeia dos Xavantes na Serra do Roncador, era para dar injeções, distribuir comprimidos contra a tuberculose ou curtir a vida de índio.

O local ficava em lugar alto, beirando o rio. As casas das famílias eram comunitárias, construídas com palhas e erguidas em forma de cone alto, abrigando tudo em um só lugar – quarto de casal, das crianças, das sogras, das cunhadas e cunhados, sala copa e cozinha. Banheiro era no mato.

Todas as casas, ou para ser mais politicamente correto “ocas” (que na verdade para o xavantes que pertencem ao grupo Jê, “oca” do Tupi-Guarani não diz nada, casa lá tem outra pronúncia totalmente diferente), formavam um semi-círculo que abraçava uma “praça”, lugar de terra batida onde ao entardecer os homens sentavam olhando o por do sol para conversar.

Estava trabalhando naquela reserva indígena às margens do Rio das Mortes, quando em uma dessas visitas, fui convidado para sair em uma expedição de caça patrocinada pelos próprios.

Formavam o grupo aproximadamente vinte índios adultos. Nenhuma mulher. Os cabelos compridos, de corte reto até atrás das orelhas, para depois cair sobre a nuca, estavam em coque para não emaranhar no mato. Brilhavam pelo excesso de óleo de peixe, o mesmo óleo que brilhava em seus corpos.

Esta tática, segundo eles, era para espantar mosquitos. Podem acreditar, é um santo e milagroso repelente porque nada chegava perto, nem mosquitos, eu, ninguém.

Todos nus. Eu não. É que quando eu ficava nu perto deles, por ter pelos no corpo, (acredito eu), virava e mexia a turma morria de rir, apontando para mim, sem a menor intenção de despistar, gritava “xiparrudo”, nome dado aos macacos. Era uma gargalhada só. Falta de educação sô!

Em compensação eles, do corpo nú só tinham coberto a glande do membro com uma proteção de casca de árvore, formando uma pequena touca. Pra que, nunca perguntei. Que coisa mais besta ficar perguntando sobre o pinto dos outros.

Todos a pé.

Os xavantes não esperam a gente. Trate de andar rápido ou fica perdido. Se eles subirem em uma arvore, não pergunte, suba. Pode estar vindo uma manada de caititu, que se o pegar, não sobra nem ossos.

De tarde, cercaram um tamanduá bandeira enorme. O bicho em vez de correr, voltou-se para enfrentar a turma, levantando o corpo apoiado nas pernas traseiras, ficando maior do que eu. Bobo dele, o xavante meteu-lhe uma “bordunada” na testa e fim de linha.

Muita festa, conversa daqui, conversa dali, sem cerimônia, arrastaram o bicho para o jantar. Neste momento, todos quietos.

Parecia uma solenidade religiosa. Quando se ouvia alguma conversa era como reza: baixinho. Todos de olhos fixos no bicho.

O crepitar da fogueira e o cheiro do pelo do couro queimado misturado à fumaça da madeira completava o ritual.

O tamanduá inchou aumentando de tamanho até o ponto de rasgar o couro, chiando, escapando vapor.

É o sinal que está pronto.

O líder do grupo tirava as lascas de couro queimado, separando couro e carvão. E logo vinha pulando de quente em sua mão o primeiro naco de carne, saindo fumaça, escorrendo gordura. A boca aberta, salivada. Maravilha. Cada um que pegue o seu. Em pouco tempo, só restou a quentura da fogueira.

Faça o seu também:

Tamanduá à Moda Xavante:

Um Tamanduá Bandeira grande – Como ninguém tem intenção de brigar com o Ibama e nem com sociedades protetoras de animais, serve um bode ou um cabrito.

Fogueira até virar braseiro dos bons.

Modo de fazer: Coloque o bicho escolhido inteiro, (sem abrir, sem limpar, sem tirar e nem por nada nele) deitado de lado, direto na brasa (é bom o bicho estar morto) e espere até o couro ficar queimado, bem preto, carvão mesmo.

Mude de lado, com cuidado, e repita o mesmo procedimento até o calor furar o couro e começar a sair vapor pelas fissuras do couro rasgado.

Está pronto!

Abra, não mexa nas tripas e nos miúdos (que são dos cachorros). Basta tirar nacos da carne, passar na cinza e comer. Uma delícia:

Atenção: costuma dar disenteria, mas, passa logo.