MÃE É AQUELA QUE TE PARIU.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.

 
Ela toda se oferece para ser minha filha, mas com as minhas atitudes eu lhe digo, sem nada dizer: “você  não é minha filha.” 

Se parentesco fosse casa, digamos que ela teria nascido poucas casas distante da minha, apenas o suficiente para que a maternidade não me fosse atribuída. Mesmo sabendo  que não nasceu filha - dessa que gostaria que lhe fosse mãe, - pensa  como se fosse,  mas eu nunca incentivei esse pensamento. Nem mesmo quando morou comigo, depois de moça, durante um breve tempo.   Mantive a devida distância, uma distância excludente de qualquer vestígio de maternidade, ainda que tenha por ela um sentimento muito próximo de mãe. Que ela nem pode desconfiar que existe, porque se desconfiar, já serei para sempre: “mamãe”!
 
 Ela tem mãe: essa explicação deve bastar para justificar o meu distanciamento. Ou não? 

Se você ainda não sabe,  essa seara de mãe e filha é muito sagrada para ser pisoteada, invadida e até mesmo pisada, por uma terceira pessoa. Eu não me atrevo.
 
Sei disso, porque houve uma época da minha vida, em que fui roubada de dois, dos meus três filhos. E eu bem que merecí, distraída que estava. Para tê-los de volta, deu-me muito trabalho.
 
É incrível como as pessoas têm vocação para se apossar dos filhos dos outros, mesmo tendo aqueles que lhes nasceram das próprias entranhas. Um vacilo, e tomam-nos os filhos. E se apossam dos sentimentos deles. E lhes dão o de melhor, em termos de amor gratuito,  porque lhes falta o compromisso com a educação e  com a verdade. Para os pais biológicos resta a realidade:  educar com rigor, fidelidade e, quando necessário, alguma dose de reverbério.
 
Reverbério: palavra bonita que não deve ser confundida com impropério. Reverbério é: “repreensão severa, carraspana.” Procurei no dicionário.  
 
Por tais motivos, recuso o papel de mãe dos filhos que Deus não me deu. Sou amiga, conselheira, confidente, mas não sou mãe. Mãe é aquela que te pariu: deixo isso bem claro.
 
Ela tem mãe. Mas convenhamos: que mãe, a coitada tem! Uma mãe que passa para a filha todo o peso do mundo. Do mundo todo.
 
O mundo tem um peso, que deve estar equanimamente distribuído sobre cada ser pensante do planeta terra, sobre cada família do mundo. Assim que o filho cresce, ele sozinho, já entra no exercício da parte que lhe pertence. Apenas a parte que lhe pertence. É assim que deve ser.
 
Mas essa mãe tomou para si o peso do mundo todo, e de quando em quando, as toneladas a mais lhe causam um chilique desabonador e inconveniente. Ela chora, grita, transpira,  exige que a filha  concentre-se  nessa protopatia anunciada: Síndrome do Pânico, diriam os médicos. 

Síndrome de uma Vida Assustada, diria eu.
 
Que é a Síndrome do Pânico? É assim: !!!!!
 
 Faltam-me palavras, mas ainda disponho desses caracteres. Não, nunca tive síndrome do pânico. Meu prontuário médico nunca recebeu do CID – Código Internacional de Doenças – o número que corresponda a essa patologia. Graças a Deus!
 
 Mas, eu sei direitinho o que é: SDP é gravidade, solenidade, pavor, reverência, medo, desiquilíbrio e susto  que advém da condição incurável de existir como ser pensante, em um universo desconhecido.
 
É a súbita lucidez que  sobrevêm ao ser humano no meio dessa condição extremamente desamparada.
 
Eu acho essa síndrome muito útil. Deveria existir o dia Nacional da Síndrome do Pânico e em seguida, o Dia Nacional da Evangelização do Mundo para Cristo. Eu creio que o veneno traria a cura. Ou que a cura viria pelo veneno.
 
Se eu não tivesse experiências com Deus, se eu não tivesse uma visão vetorial – com reta bem definida em grandeza, direção e sentido -, com certeza, eu também  seria uma monofóbica-claustrofóbica planetária de grande magnitude.
 
 Que a coisa, nua e crua, é exatamente esta: nascemos de maneira brusca, e vivemos de maneira solitária, presos num planeta orbicular, por um tênue fio que nos prende ao nada, sem saber aonde iremos parar, até em quando a morte nos leve.  Não é? Ora, se não!
 
(Graças a Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo! A luz no fim do túnel!)   
 
Ela tem essa mãe que sabe disso, e nessa vida não entra o parênteses libertador. Ela não experimenta a existência de Deus, conhece vagamente Jesus, e nunca provou da presença do Espírito Santo consolador.  Digamos que  -como tantos- apenas pressinta vagamente a Trindade Divina  e esse vago pressentir de Deus, aliado ao extremo sentimento de desamparo, seja o elemento catalizador  dessa loucura aguda. Que como uma tempestade, vem e passa! No rastro a destruição: coisa muito triste para qualquer pessoa presenciar, e mais ainda,  para uma filha suportar.
 
E tudo começou tão repentinamente! Viver sem sobressaltos foi o seu vício até pouco tempo - e tudo lhe ia bem- até que, um dia, essa  súbita lucidez lhe adveio do nada, como  uma possessão demoníaca involuntária.
 
Um demônio seria uma personalidade a mais em seu ser; coisinha simples de se resolver: expulsando-se em nome de Jesus, ele teria que sair. Mas a síndrome do pânico é ela mesma multifacetada, em pleno exercício da difícil tarefa de ser ela mesma, multifacetada: uma louca lucidez!
 
Falta-lhe Deus e só Deus poderia salvá-la dessa falta de Deus - se ela assim o desejasse. Paradoxalmente, essa mulher que  não se aproxima de Deus- e que parece afastar-se dele cada vez mais, - é a mãe que Deus deu a essa filha:  há  pais que nasceram para os filhos e há filhos que nasceram para os pais. Que nascidos todos somos e ajudados todos precisamos ser.    
 
Eu nasci para ajudar e ser ajudada.  Pelos meus próprios filhos. E, sem invasão, recebo e ofereço ajuda para alguns outros, nos momentos de maior precisão, quando Deus me orienta a fazê-lo.
 
 Nesta vida, até para ajudar os filhos de Deus,  há que se ter a direção de Deus.