Estetoscópio e testosterona

Lucas aguardava a sua vez. Iria fazer um exame admissional. Irritado com o calor da sala onde estava, sentara-se justamente em frente a um ventilador e lá ficou até quando foi chamado. Dirigindo-se em passos largos à sala, suplicava mentalmente que aquela consulta fosse realizada em meio segundo. Não gostava de clínicas, até o momento em que entrou na sala. Nesse instante, todos os preconceitos, teorias, formulações, princípios, valores, crenças, argumentos, filosofias, conceitos contra consultórios esvaziou-se feito pneu furado. Estava frente a frente com o esplendor da criação divina. Antes que as pernas trêmulas o atirassem ao chão, rapidamente resolveu sentar. Sentou e respirou fundo. A médica era uma jovem recém-formada. Vinte e poucos anos. Um retrato único do milagre da natureza. Olhos azuis onde Lucas mergulhava e depois ficava boiando, boiando, boiando... Os lábios eram doces (pelo menos assim os imaginava) cintilavam à luz da lâmpada fluorescente, eram um convite tentador feito a maçã do Éden. Cada palavra que saía de seus lábios chegavam aos ouvidos do garoto como o som de uma harpa, a soma das melodias mais suaves e harmônicas do mundo, a voz de uma fada. Olhava seus dedos que pareciam movimentar-se em câmera lenta. Olhava a cor, o formato, o tamanho e a espessura de suas unhas. Olhava suas orelhas segurando alguns fios de cabelo que teimavam em vir pra frente, observando seu desenho e os canais por onde poderiam transitar suas tolas palavras de amor. O nariz era perfeito, um tobogã por onde seu dedo indicador deslizaria até atingir a maciez de uma boca impenetrável.

Olhava o pescoço... quantos beijos daria...

- “Vamos”?, perguntou a jovem médica.

Lucas, voltando ao seu estado quase normal, porque nunca ficaria totalmente normal enquanto estivesse ali, confirmou apressadamente e com absoluta convicção:

- Claro, vamos sim!!

A médica então se levantou com o estetoscópio em mãos.

O rapaz, que estava até então com seus batimentos cardíacos normais, começou a sentir sensível alteração. A cada passo que a médica dava em sua direção, aumentava em dez a quantidade de batimentos por segundo. Era uma situação desesperadora. Ele sabia que quando ela colocasse o aparelho sobre seu peito, iria ouvir uma verdadeira escola de samba, mas não conseguia fazer nada contra essa evolução natural. Era irreversível. Milene, como se chamava, enfim chegou ao seu lado. Posicionou-se as suas costas e, inclinando-se para frente, derrubou-lhe sobre a face seus longos e macios fios de cabelo. Imediatamente, Lucas segurou-se nos braços da cadeira. Apoiou bem os pés no chão. Seu corpo estava teso. Era inútil a tentativa de controlar o incontrolável. Tarde demais. A moça, delicadamente, enfiou os dedos por baixo de sua camisa e começou a puxá-la cuidadosamente para cima. Pobre rapaz, arrepiou-se feito gato ameaçado. Estava apavorado! Seu corpo expelia litros de suor e a temperatura do sangue beirava a da superfície solar. Quando enfim a médica tocou-lhe o peito com o estetoscópio, assustou-se. Parecia de fato uma bomba prestes a explodir. Entretanto, já deduzindo rapidamente o motivo pra tamanha agitação, perguntou-lhe “ingenuamente” se ele estava nervoso por algum motivo.

Alguns segundos refletindo como camuflar a verdade tão primitiva, respondeu engasgando:

- Sim doutora, desculpe-me, mas tenho grande pavor a estetoscópios.

Josué Mendonça
Enviado por Josué Mendonça em 24/02/2006
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