Natal em agosto

Certo Natal não recebi muitos cartões. Esse fato perturbador aflorou de um ponto no fundo de minha mente-

fonte de informações inúteis- numa tarde de fevereiro. Acho

que estava à procura de um motivo para me sentir mal, e o

encontrei. Mas não falei nada sobre o assunto. Posso suportar

o golpe. Sou forte. Não vou me queixar porque meus amigos so-

vinas não se deram ao trabalho de me enviar um estúpido cartão

de Natal. Posso passar sem amor. Perfeitamente.

No mês de agosto seguinte, eu estava tentando pôr um

pouco de ordem na bagunça, e encontrei uma caixa cheia de cartões de Natal do ano anterior que eu não abrira. Eu os havia jogado na caixa para ler num momento de calma, mas não tive nenhum momento de calma, em meio ao costumeiro pânico natalino, e assim eles acabaram atingidos pela síndrome do "vamos juntar tudo isso e guardar no sótão, e resolveremos no ano que vem".

Levei a caixa para baixo e num dia quente de agosto, sentada no jardim, um copo de chá gelado á mão e cheia de curiosidade co - meçei a abrir meus cartões de Natal. Só para ajudar pus uma fita de canções natalinas no volume bem alto .

Estava tudo alí. Anjos, neve, galhos de pinheiro,Magos, trenós

a Sagrada Familia e Papai Noel. Mensagens de amor, alegria, paz e

boa vontade. Como se não bastasse, ainda havia todas aquelas mensagens de afeto escritas à mão por meus amigos sovinas que, na verdade tinham se manifestado no Natal.

Eu chorei. Poucas vezes na vida me senti tão mal e tão bem ao mesmo tempo. Tão maravilhosamente vil, triste, melancólico, nos-

tálgico.

Como o destino sempre parece intervir, fui descoberta por uma vizinha, atraida à cena pelo som das canções natalinas. Ela riu.

Eu lhe mostrei os cartões. Ela chorou. E tivemos essa experiência natalina extraordinária ali no jardim, em meados de agosto, cantando

com o coro sacro a pujante Noite Feliz.

O que posso dizer? Acho que o prodígio, o assombro e a alegria estão sempre em algum canto do sotão de nossa mente, e não é muito difícil trazê-los à tona. E o Natal tem muito de extraordinário,

quer seja em dezembro ou num dia de agosto.

ysabella
Enviado por ysabella em 02/09/2008
Reeditado em 02/09/2008
Código do texto: T1158569
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