INSÔNIA POÉTICA

Acho a insônia poética: o sujeito não tem sono e por isso passa madrugadas e madrugadas pensando, escrevendo, pintando, refletindo... Alguns fumam desesperadamente e fazem do cigarro seu companheiro das noites quentes e enluaradas. Outros aproveitam para colocar a vida em ordem, já que durante o dia o caos reina absoluto. Conheço até uma pessoa que aproveita para dirigir livremente pelas ruas da cidade porque nas madrugadas as ruas estão livres, e o ar que entra pela janela do carro tem a função de ser inspirador dando a sensação de liberdade. Fico até imaginando a pessoa dirigindo calmamente, com o braço para o lado de fora, apoiado na janela, e medindo a força do vento, no toca cd uma música agradável e seu carro misturado à paisagem noturna da cidade que nunca dorme. Sem falar nas pessoas que aproveitam o pique noturno para fazer compras no supermercado 24 horas, outros que levam o cachorro para passear, e há ainda aqueles que encontraram sua cara-metade noturna e dedicam as madrugadas insones para simplesmente exercerem a amizade, ou o amor – nos dois casos há sempre muita conversa.

Tive insônia durante duas semanas seguidas. No começo achei tudo muito bom, tudo muito bem. Chegava ao trabalho com pique total – fiquei pasma, não posso deixar de dizer – e me achando a mais nova adulta que se gaba em afirmar que sono é para adolescentes. Os motivos para tal insônia eu até desconfiava, mas por achar que já estava mais do que na hora de deixar de lado a “frescura” de ter que dormir oito horas diárias – ininterruptas – para me sentir bem, fui me acostumando com a idéia de passar algumas noites em claro. Ok, tudo muito bonito e poético, até aqui.

Cinco horas da manhã, uma música infernal na minha cabeça e um só pensamento: PRECISO DORMIR! A essa altura já havia tomado maracujina, chá de camomila, de erva-cidreira, de capim santo, de frutas silvestres, de frutas recatadas... Chá inglês, norueguês, finlandês. Já havia apelado pra reza brava – mizifi pricisa drumi. Carneirinho? Já era o número 1598584 que eu contava, e pra variar um pouco e não enjoar cada um era de uma cor e pulava a cerca de um jeito diferente. Até que meu estoque de criatividade se esgotou e num ataque de fúria violento eu matei todos eles. Ah, claro, tomei o devido cuidado de ser cruel em todas as mortes, afinal de contas aqueles filhos de carneirinhas-putas não estavam contribuindo para que eu tivesse um sono celestial.

O dia amanhecendo e eu continuava com o olho pregado no teto. A música, a maldita música – e sempre a mesma – estava a todo vapor e meus neurônios já haviam pedido trégua há muito tempo. Computador? Nem pensar. Ler? De maneira alguma. Fumar? Credo. A única coisa que eu pensava naquele momento era em como é bom dormir de madrugada e de repente acordar, abraçar o travesseiro, ajeitar o edredom, virar de lado e, ai ai... continuar dormindo o sono dos vencedores. Eu não queria ouvir porra de passarinho nenhum. Eu não queria ver porra nenhuma de sol nascendo. Não queria nada, só queria fechar meus olhos e sonhar – cara, no desespero até pesadelo eu estava aceitando.

Preciso dizer que meu dia seguinte foi péssimo – e que eu nem fiquei pasma? Aliás, que dia seguinte? Não houve dia seguinte. A minha impressão era a de que ontem continuava sendo ontem, e que pra chegar hoje eu teria que dormir oito horas – ininterruptas. Me arrastei o dia todo ansiosa pelo cair da tarde. Minha cama, ai minha cama... pensava nela a cada minuto, e em como eu nem mais me importavas com o sol que todos os dias às sete horas da manhã invade meu quarto e frita minha pele – sim, eu tirei a cortina do quarto. O dia se arrastou e para meu desespero só consegui chegar em casa quando faltava 15 minutos para a Cinderela virar abóbora – ou seria a carruagem que viraria abóbora? Bom, cheguei, isso é que importa. Tomei banho - quente - e tchum! cama.

Pra resumir: eu dormi. Dormi feito pedra. Dormi na mesma posição a noite toda. Dormi de babar. Dormiiiiiii. E acordei. Acordei revigorada. Acordei cheia de pique. Acordei com a cara ótima. Acordei até achando a vida bonitinha. E num bom do humor do caralho. Merda.

São Paulo, 04 de setembro de 2008.