Bigornas Criativas

- Você tem a cara da empresa!

Sorriu discreto. Tímido. Mas por dentro, digerido, sentiu-se fulminando carícias no ego e embalando lentas orgias cerebrais. Havia sido o escolhido. Perguntas estressantes, joguetes mentais, posturas arrogantes dos supostos mestres empresariais... ufa. Poderia voltar a respirar embaçado em um copo com água fervente e adocicada. Representara bem seu papel de entrevistado e, entre palminhas sutis no verso e sorrisos carnívoros na frente, agradecera a oportunidade de “maximizar o potencial lucrativo da empresa no curto prazo”. Ou promessa parecida. Não lembrava. Nem tentaria.

Já no primeiro dia entupia as veias adiposas do pensamento estratégico com idéias ácidas. Motivado. Veloz. Relevante. Interessou a quem se interessasse, rebatendo caroços de inovação em direção às barreiras – fossem elas cria da inexperiência dos outros ou mera teimosia etária de alguns. Os contestadores, por sua vez, enxergavam-no salivantes, raivosos e ofegantes. Talvez pelo medo cão que seus caninos geravam, talvez por sentirem-se desprotegidos sob as próprias banguelas ordinárias. “Hora de passar o fio-mental, vovô!”

A chuva de bigornas criativas desossou o trauma escondido de quem o aplaudira tempos antes. Paredes móveis, camufladas em tecidos à paisana, decoravam cada passo incomum. Estômagos enjoados passaram a engolir suas células revolucionárias em fagocitose acelerada. Cérebros-ameba se alimentando, talvez. Glotes inchadas arrotavam sucos de lixo drenados diretamente do lado esquerdo da mente. Aquele lado que sente. Não o que mente.

Teorias conspiratórias fincaram as garras nos estratagemas que protegia sob os ossos. Passou a ser perseguido, mirado, exorcizado, cuspido, descascado, torturado. O ritmo das seitas era marcado por socos perdidos em chapas de madeira. The punch is on the table... E o cérebro, esconderam em qual gaveta? Mesmo ferido, aprendeu a rastejar entre o labirinto hostil, decorando os pés zumbis que ziguezagueavam no carpete elétrico, apático e distorcido. Talvez na esperança de flagrar alguma mão disforme tentando puxá-lo. Não ele, mas o tapete.

Viu-se então rodeado por um exército de mentes cruas. Cada seqüela estourando o mouse contra a testa e salivando caracteres em grego hipnótico. Ergueu os olhos e respirou fiapos de um algodão-doce sem fome. Voou pelas janelas forçando os tendões em direção ao halo que há meses tentava engoli-lo, desfazendo-se da sujeira em círculos não-identificados. Um alerta contra as garras do pensamento retrógrado, quadrado e covarde que deixava pra trás.

Antes que sumisse nas camadas que o levitavam, reservou um último olhar em direção aos que ergueram suas fúrias ignorantes e precipitadas.

Estavam todos com cara de bosta. Todos com a cara da empresa.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 05/09/2008
Código do texto: T1163311
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