O SORRISO DA VOVÓ

Tem gente que parece estar sempre de mal com a vida e há pessoas que parecem ter nascido para distribuir sorrisos. Infelizmente, nos últimos tempos, as pessoas parecem mais carrancudas e são raras as que saem pelas ruas sorridentes.

Rir é um santo remédio, diz o ditado, e deve ser nele que acredita a vó Rinalda.

Com traços que evidenciam a formosura que muitos lhe atribuem quando falam de sua juventude, passou dos sessenta acho que não faz muito, mas não sou atrevido de perguntar. Mãe de três belas filhas, todas casadas no civil e no religioso (se bem que uma separou e casou de novo) e de um rapaz, que está concluindo a universidade, dos mais freqüentadores dos sonhos e devaneios das meninas do lugar. Aposentou-se, como o marido, trabalhou em serviços gerais numa escola, e ambos recebem pequenos valores da previdência, o que faz com que levem uma vida pacata e proveitosa, sem grandes novidades e frustrações. Não são de se envolver nas vidas alheias e por estas e muitas outras é que são das boas e conhecidas pessoas da cidade.

Seu Venceslau, o vô, um homem voltado à família. Servidor público estadual, dentro das possibilidades que seu salário permitia, oportunizou a todos, com a parceria da mulher, uma vida simples, sem nunca deixar faltar nada do básico, principalmente educação. Colocou os filhos na escola possível, a pública, pai presente, parceiro e exigente, quando tratou e trata do aprendizado e do desempenho dos seus rebentos. Pouco mais velho que a esposa, ainda longe dos setenta.

Dia desses, comentando com um conhecido sobre ambos, falei do sorriso da vovó, ao que o conhecido observou:

- Sabes por quê?

- Não exatamente, respondi.

O conhecido seguiu falando que além dos cabelos brancos que impunham um certo respeito, vó Rinalda (não sei qual a razão pela qual os dois netos a chamam assim, acrescentando o nome ao vó) é uma senhora que solta fácil o verbo e não se aperta com nenhum assunto. Na comunidade em que vivem, uma pessoa depois dos sessenta já é vista com certa deferência em consideração à idade. Diz que o motivo do sorriso permanente é sexo.

- Não deve ser só isso, observei.

Quem conhece o jeito calmo, a fala mansa, os passos seguros e lentos do Venceslau, os seus poucos assuntos, menos ainda sobre o tema citado, custa a crer que, efetivamente, seja este o motivo. O conhecido lembra que pouco se sabe do que ocorre sob lençóis. Lembro que ela, ao mesmo tempo em que sorri, gosta de contar uma boa história, de provocar um tema palpitante.

É raro de se ver, infelizmente, pelas ruas ou em qualquer lugar, casais na terceira idade que pareçam enamorados. Porém, com o avanço do tempo médio de vida, e com o aumento das separações (e novos encontros) depois dos cinqüenta, sessenta, entre outras razões, pode-se notar um aumento no número destes casais.

O conhecido afirma que ela diz que vão deitar; ele passa um pé pra cá, ela passa um pé pra lá, sugere: - vamos nos atracar?

- Vamos, diz ele, convicto.

E ela acrescenta:

- Aí,..., nos atracamos!