Noite alta

É noite.

Pela janela do apartamento, entreaberta para aliviar o calor do verão que ainda nem chegou, o silêncio das ruas invade a sala.

As luzes estão apagadas, as cortinas levemente agitadas pela brisa noturna, a TV exibindo imagens distantes e sem sentido.

Deitado no sofá, imobilizado pela preguiça e pelo cansaço de um dia extremamente quente, João conserva os olhos fechados, pernas estendidas, braços soltos, corpo relaxado dentro do pijama folgado.

Pijama -o uniforme obrigatório dos aposentados sem esperanças e dos estressados de todas as eras!

O "uniforme" de João o enquadra nas duas categorias: é um estressado sem esperanças!

Sobre a mesinha de centro, manchando a madeira, um copo enorme de água gelada, já pela metade, que aos poucos foi matando a sede, refrescando a garganta.

O jornal, desfeito em folhas espalhadas pelo tapete, agora serve de cama para o cachorro, que mansamente cochila aos pés do dono.

A noite avança.

O relógio da igreja bate duas vezes, pára, repete as duas badaladas.

Cidades pequenas do interior ainda têm relógios na torre da igreja, que batem a cada hora exata e a cada hora e meia.

João se mexe no sofá, desperta da sonolência que o domina.

É tarde.

A família já se recolheu há horas!

João também precisa dormir... na cama, é claro!

Amanhã será um novo e exaustivo dia, mais um dia na sua vida sem emoções!

"Felizes os inconseqüentes, os que não se prendem a nada, os que não têm filhos para sustentar, casa para manter!" -diz para si mesmo.

"Filhos...melhor não tê-los!" -conclui, citando o velho e sábio poema.

Enquanto se encaminha para o quarto, ouve o ressonar tranqüilo dos "meninos", uns moços já bem crescidos, fortes, belos, mas eternamente seus "meninos".

Pára e fica a observá-los por algum tempo.

Emocionado, rapidamente, muda de opinião: é melhor tê-los, sim!

StelaStela
Enviado por StelaStela em 07/09/2008
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