A SAÍDA TRIUNFAL.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI
.
 
 
Nesta temporada de caça às bruxas, que vai até o início do próximo mês, vejo que tudo é atribuido aos políticos deste país. Concordo com algumas coisas, discordo de outras. Existem coisas verdadeiras e bem faladas. E sobre essas não é necessário argumentar. Mas aquelas que me incomodam, fazem parte de assunto que não domino e ainda assim, atrevo-me a dissertar - um cadiquinho - sob a ótica dos que vêm apenas vendo, sem o respaldo de estudos sociológicos, sem estatísticas, sem um prumo definido. Apenas com a intuição solidária dos brutos. 
 
Os pobres deste país, os miseráveis, os subnutridos, os que estão abaixo da linha da pobreza: terei eu capacidade de argumentação para execrar ou justificar a classe política dominante que – aqui e ali – é responsabilizada por sua existência?
 
 Eu só sei o que sei. E o que sei é tão pouco e é de uma simplicidade tal, que me incomoda ter que discorrer sobre isso.
 
 Ter que discorrer: como se premida por grande mão! Mostrando ao mundo que nada sei. E mesmo nada sabendo, escrevendo. Que Deus me ajude porque com a minha ajuda não posso contar!
 
Começa assim: Eu vejo uma onda de moralidade varrendo o país e isso é uma forma de partilha mais justa. Se menos pessoas surrupiam o dinheiro público,  significa que, a cada dia,  mais pobres são beneficiados com o produto daquilo que, antes, era extorquido pelos ricos.
 
 Porque via de regra, os quadrilheiros são sempre ricos. Se não começam ricos, ficam rapidamente. E deslumbrados com tanto poder aquisitivo, começam a exibir-se demais. Quando a Polícia Federal os descobre, os vizinhos, a família, o povo, já  os descobriu há muito tempo.
 
Mas há uma onda de moralidade varrendo o mundo. E aqui no Brasil não tem sido diferente. Pelo lado negativo, é vergonha para a classe política, ela que está sempre à frente, ou ao lado, ou logo atrás da roubalheira incipiente. Mas é também uma forma de resgatar a credibilidade, ainda que seja compulsoriamente.  
 
Mas e nós, estaremos nós, cumprindo strictu sensu com a parte que nos cabe? Ou usamos o argumento de atribuir todos os males da humanidade aos políticos porque essa é a nossa saida triunfal?
 
 Até o final do ano, os trabalhadores domésticos terão o seu direito ao FGTS garantido por Lei. Essa é uma lei que está vindo para beneficiar os pobres.
 
Mas, interessante, grande parte de nós, cidadãos que não concordamos com os limites insuportáveis da zona de pobreza, não recolhemos o FGTS de nossas empregadas domésticas, porque isso nos foi facultado. E agora que não mais nos será facultado o recolhimento,  o recolheremos, compulsoriamente,  e dessa forma, estaremos contribuindo para diminuir a miséria daqueles que se encontram desempregados, do dia para a noite, nesta vida de incertezas financeiras.
 
Eu sempre faço um exercício implacável do meu desempenho como cidadã brasileira e nem sempre gosto da minha avaliação. Porque tenho um estrabismo visual que me coloca um olho na terra e outro no céu.  Acho que sou maternalista, quando deveria ser mais justa. Acho que sou implacável quando deveria ser mais maternal. Acho que não deveria precisar de lei para cumprir um direito óbvio.
 
 Mas espero que a lei venha. Ando em cima da linha da lei, e com isso coloco-me à sua margem: à margem da Lei de Deus que se resume em um único mandamento: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.”
 
E assim resvalando na minha miséria, chego finalmente às palavras certas de Jesus: “vós sempre tereis os pobres convosco, mas a mim nem sempre tereis.”
 
A pobreza neste mundo é inevitável. Se fosse evitável, Jesus teria dado a fórmula. Mas quando Jesus disse essas palavras, Ele estava em Betânia, na casa de Lázaro, a quem  ressuscitara dentre os mortos. Ali ofereciam-lhe um jantar.
 
 Então, Maria, movida pelo mais puro amor, fez um ato insano, para os sociólogos de plantão: foi ao quarto, escolheu o seu perfume mais caro, o melhor, o mais Angel – Thierry Mugler, da época e derramou tudo sobre os pés de Jesus. E os enxugou com os seus cabelos.
 
A grita foi grande, em nome dos pobres. E aí Jesus fez-lhe a defesa: “Deixai-a. Ela guardou este perfume para o dia do meu enterro. Vós sempre tereis os pobres convosco, mas a mim nem sempre tereis.” João 12.
 
Eu fiquei pensando muito nas palavras de Jesus e no contexto em que elas aconteceram. E cheguei à seguinte conclusão: Jesus já não precisa mais de unguento para o seu enterro porque Ele não morre mais. Isso significa que eu possa gastar o melhor frasco de nardo comigo? Não! Isso significa que posso escolher entre o supérfluo e o justo, mas conforme Jesus mesmo previu, quando disse  “pobres sempre tereis convosco”, via de regra, gastamos conosco e ficamos com os “pobres convosco.”. O supérfluo vence o justo.
 
Se santidade e justiça fossem parte inerente de meu ser, eu não compraria a bobageira cara de  um perfume importado para ungir o meu cangote,  enquanto houvesse uma criança descalça na terra. Mas como, santidade e justiça próprias, ainda não fazem parte inerente de meu ser – e eu apenas as tomo emprestada de Jesus - eu compro Angel, uso e saio por aí docemente angelizada. E sem culpa.
 
Jesus já sabia que assim caminha a humanidade, tendo anjos descalços diante dos olhos e Angel de Thierry Mugler no cangote. Por isso, Ele disse: “ vós sempre tereis os pobres convosco.”
 
É inevitável. Os homens são egoístas demais para minimizar a pobreza que assola o seu próprio quintal. Nós sempre achamos um penduricalho a mais para enfeitar as paredes da nossa casa e o dinheiro que poderia ser usado para minimizar a miséria do quarteirão, do bairro, da cidade, quiçá da família, nós o desviamos para a compra dos nossos objetos de desejo. Varremos para baixo do tapete a miséria dos outros e aplacamos a nossa consciência dando um pão com manteiga ao faminto que bate à nossa porta. Pronto, missão cumprida!
 
Mas amamos Jesus e Ele nos ama. Que ninguém duvide disso, porque ambas as coisas não são excludentes.  Apesar da miséria incipiente, que nos nivela a todos por baixo: afinal quem somos nós? 

Somos um bando de miseráveis, cruzando os céus da Via Láctea, a bordo do Sistema Solar, -um sisteminha de nada - perdido no meio de bilhões de outras estrelas, que habitam milhões de outras galáxias,  e vamos que vamos, de maneira despreocupada, até que venha o novo céu e a nova terra. Onde seremos todos igualmente iguais: maravilhosamente ricos, como rico é o nosso Pai Celestial.
 
Mas por enquanto, convenhamos:  a miséria do mundo e do Brasil, não é de exclusiva responsabilidade  dos políticos do mundo,  e do Brasil.
 
 É apenas a sina dos tão humanos, nesta tão segunda feira de setembro, do ano  dois mil e oito, depois de Cristo.  

* Imagem pesquisada no google.