Uma raça antiga e extinta

Estava eu exercendo o periculoso ofício de comprar cigarros, após ter levado meu genrinho magrelo ao mercado, onde labuta diariamente das seis da manhã às 4 da tarde - somos gente do povo, em nossa família não pululam doutores - quando me deparei com um velho colega de escola. Fizemos o primário e o ginásio (assim denominava-se as nove primeiras séries do fundamental) juntos, ele regula pela minha idade.

Veio-me à mente sua figurinha naquele então: louro, magrelinho, de estatura pequena, o nariz afilado, sempre vermelho, suando bicas por que não parava quieto. Tinha um sobrenome de peso aqui em Maceió, uma velha linhagem de gente fina, coronéis, usineiros.

O T-REX avisa que devaneio. Tá, tá, dinossauro, não me apresse.

Pois bem, lá estava meu velho companheiro de escola - ele não me viu e eu não fiz questão de me mostrar - metido numa calça social com camisa pólo de listras horizontais, com a barriga acochadinha (apertada, para quem não entende o Nordestinês castiço de Maceió) meio pulando, os cabelos bem cortados alinhavados de grisalho, ainda baixinho, com uma silhueta de barril. Fazia-se acompanhar pelo filho adolescente, com prováveis dezesseis anos, parecido com a mãe, morena bonita, porque meu amigo sempre teve bom gosto neste particular - namorou as beldades da escola, o que não me incluia, lógico, eramos bons companheiros.

A saudade me veio aos poucos, sentou-se a meu lado, me fez lembrar que um dia também eu fui adolescente, que sonhei, que fui ingênua.

Quando a gente é muito jovem, não avalia - graças a Deus - o que nos acontecerá quando a idade for avançando, à medida em que formos vivendo.

Ninguém nos avisa que não será um mar de rosas, ou que, ao menos, as rosas sempre tem espinhos e não apenas perfume. Quando os adultos falam do nosso futuro, pintam-no com cores brilhantes e suaves, falam de amor eterno, casamentos felizes, filhos e filhas, falam de profissões de sucesso, de dinheiro fácil e sabedoria na maturidade, como ilusionistas fazendo mágicas impossíveis à nossa frente.

Esquecem de dizer que aos vinte temos que correr atrás, por que aos trinta outras pessoas dependerão de nós, que aos quarenta começam a aparecer as mazelas - os aficcionados pela juventude eterna que me perdoem mas essa conversa que a vida começa aos quarenta é uma mentira deslavada e é por conta disso, também, que vemos mulheres de quarenta se tornando ridículas na tentativa de parecer ter vinte ou se angustiando para deter o curso natural do tempo; com os homens é bem pior por que desperta-lhes um desespero traduzido em divórcio e abundantes chifres, em geral colocados pelas mocinhas que preferem para companhia, na tentativa de esquecer que estão envelhecendo inapelavelmente - e que dos cinqüenta para lá é uma ladeira que descemos, rumo à decrepitude.

Esquecem de nos falar que o tempo é um voraz devorador de ilusões e que todas as ilusões passam, assim como não dizem que nem todo amor é eterno e que mesmo quando a paixão acaba o companheirismo pode prevalecer.

Esquecem de nos informar, enquanto somos crianças, que a idade trás rugas, mazelas e sabedoria; e que enquanto permanecermos aprendendo com a vida, nunca envelheceremos realmente. Por que, na minha opinião (que não corresponde necessariamente à verdade) a gente só envelhece mesmo quando - ao invés de cuidar da mente, mantendo-a aberta e arejada, sempre pronta a aprender coisas novas - nos concentramos em parecer mais jovens, através de plásticas, exercícios e dietas malucas, esforços sobre-humanos para que nos vejam com eternos vinte e poucos anos.

Ai, eu me dei conta que já eram sete horas da manhã e que eu tinha muito o que fazer, liguei meu fusca e voltei para vida, disposta a pensar nestas coisas.

O T-Rex entende de tempo e me informa que estamos além dele, ele e eu, por que somos de uma raça antiga e extinta. Vai ver que é.