Vinícius

Era um menino inteligente, Vinícius. Gostava de ficar em casa no meio de seus livros e invenções. Tinha um laboratório de química que parecia de verdade, e passava horas no banheiro fazendo experiências, já que a mãe tinha medo que ele manchasse o carpete do quarto com iodo.

Estudava muito. Lia autores difíceis para sua idade. Era quieto, introspectivo. As pessoas se preocupavam com seu constante semblante sério. Não infeliz, apenas sem esbanjar a alegria natural de meninos de sua idade.

Ainda não nutria interesse pelo sexo oposto. De vez em quando olhava uma menina ou outra na escola, mais por uma simples admiração pelo que é belo, que por borboletas no estômago.

Seus dias eram assim, de casa para o colégio, de lá, para casa de novo. Vinícius não gostava de sair. Tinha pavor de acompanhar a mãe ao cabelereiro, ao banco, pegar filas. Não queria nem imaginar ir com o pai comprar ferramentas ou levar o carro para lavar. Por isso fingia que não estava lá.

Inspirado no desenho do Pica-Pau, quando este se “transforma” em embalagem de catchup para não ser pego por Leôncio (fazia inclusive o barulho do líquido descendo pela boca do recipiente “dego, dego, deeego”), o menino decidiu transfomar-se numa Pipeta. Era magrinho, achava que se daria bem. Erlenmayer era seu favorito, mas lhe faltava semelhança nas formas.

Tentou um dia, mas o encontraram. A mãe nem deu bola para o que ele dizia ser, e o colocou no banco de trás do carro sem pestanejar. Levou a Pipeta ao ortodontista.

Chegou à conclusão que não era tão magro, e resolveu virar um tubo de ensaio. E lá ficou, imóvel, quase sem respirar.

Os pais o tocavam, mas ele já quase não sentia. Esfriara como vidro. Podia escutar um leve tilintar quando algum objeto metálico esbarrava em seu corpo inanimado.

Com o tempo as pessoas foram esquecendo Vinícius. Sua presença ou ausência já não era reparada. Estava ali, no mesmo canto do quarto, empoeirado.

Ele mesmo nem se lembrava de como era ser menino. Mas sentia-se realizado, sozinho dentro de si, protegido em seu devaneio.

Voodevilish
Enviado por Voodevilish em 08/09/2008
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