É MELHOR CONFESSAR.
ANA MARIA RIBAS.

Pois eu, metida a estar entre intelectuais,  quero confessar a todos vocês: sou de uma lerdeza  de fazer dó. Às vezes, parto para visitar uma escrivaninha intelectualizada, e já vou com medo: medo de não entender. Tenho que ler o mesmo texto duas, três vezes, mil vezes, para só então concluir: “ mas é isto?” E ainda vou conferir nos comentários se “isto” é “aquilo” mesmo.
 
Na hora de comentar, então! Aí mesmo é que a lerdeza se acentua. Tem gente que escreve tão bonito, e com tanta profundidade, que não sei como dizer, em palavras inteligentes, que passei por ali e entendi – o que nem sempre entendi. Mas me esforço, eu juro para vocês que me esforço. Escrevo, deleto, escrevo de novo, deleto de novo, e, algumas vezes não tem jeito:  vou-me embora, entristecida,  pela absoluta incapacidade de escrever coisa alguma que valha a pena.  
 
Fico “babando” nos comentários que os outros fazem, e a vontade  é dizer assim: “faço minhas as palavras do fulano de tal.” Palavras que mudaria ligeiramente,  para não ter que confessar que as tais não são minhas. Que o entendimento me veio raso. Que o que parece ser apoteose é apenas um jeito de sair pela surdina, pegando carona na apoteose dos outros.
 
O nível de intelectualidade que permeia no Recanto, primeiramente me assusta, e depois me comove. Fico comovida porque aprouve a Deus dar-me algumas sementes, em forma de palavras, para semear nessa seara de cérebros altamente privilegiados.
 
Quando escrevo, eu sei que sou transformada e que posso transformar o mundo. De improviso.  Mas é porque não sou eu quem escreve: é Deus em mim.
 
 Deus também escreve de forma simples para que todos entendam. Se bem que, às vezes, Ele me concede uns textos mais complexos, para satisfazer aos mais complexos. Deus ama todos.  Mas tanto a simplicidade, como a complexidade, não são minhas, são dEle.
 
Tenho a exata noção de que sou uma caçadora de borboletas, enquanto escrevo palavras. Quando me sento aqui, trago nas mãos aquele grande coador vazio; e quando me levanto daqui, também levo nas mãos, aquele grande coador vazio.   Deixo as palavras, e volto a caçar borboletas, até a próxima sentada.  
 
Por exemplo: uma escritora não deveria saber a mínima coisa, sobre as máximas coisas ditas por Platão, Sócrates e outros tais? Não sei nada!
 
Também não sei nada sobre temas técnicos ou científicos. Eu me adestro para o combate e sempre volto perdedora,  quando sou confrontada com as institutas do torto e do Direito, que para mim, vão além daquelas que Justiniano, imperador de Roma, redigiu.  
 
Minhas preferências musicais ficam em torno dos hinos que rendem louvores a Deus. Qualquer sanfoneiro louvando a Deus, me encanta, e faz-me bater palmas. Verdade seja dita: quando ouço uma sertaneja, me ilumino também, mas disfarço. Seguro firme, para não dançar.
 
Filmes? Só vejo raramente, se a minha companhia é muito solicitada – pelo Ivo. E sempre quero mudar o final, que me parece óbvio demais, ou louco demais, ou sem final demais. Ontem vimos “ O Caçador de Pipas.” Não quis mudar nada. E hoje me veio o “caçadora de borboletas”. Será plágio?
 
Da língua do Tio Sam, nada entendo. Quando Marília escreve-me comentários chiquérrimos,  entrecortados por palavras nesse idioma, pesco aqui e ali, sempre adivinhando um veri biltiful  ao que agradeço, encabulada.
 
 Não falo inglês, não entendo inglês e dada a brabeza da situação financeira, penso que para EUA não viajarei mais como turista. Meu visto venceu, o dinheiro encurtou, e a dor e mágoa que me levaram a outros países, o tempo amenizou.  Graças a Deus, a camponesa voltou. Enfim, estou em casa!
 
Ou seja: não sei falar inglês, mas também não vou usar inglês. E por aqui, vou-me virando como posso.  
 
 A única vez em que estive na América do Norte,   vi-me diante de um prato de comida,  sem talheres, e ali fiquei uns bons minutos, com a fome estampada na cara, e a necessidade urgente de um garfo, uma colher, uma pedra lisa, uma espátula, qualquer coisa que me servisse de instrumento para levar à boca o arroz com fritas e saladas, do qual me servi - no self service ( essa expressão sei falar e escrever).
 
Quase comi com a mão. Durante o resto da viagem o que me salvou foi “eipol pai.” Torta de maça. Era  assim que foneticamente eu me expressava, e era assim que me punham na mão aquela gostosura quente, com creme e canela. Que no final da viagem, já me saía pelos olhos.
 
Eipol acho  que se escreve assim: aplle. O resto não tenho a menor idéia.
 
Aborrece-me ser essa tal Ana Maria que parece ser intelectual mas não é, que parece ser viajada e apesar de ser- um pouquinho-, continua nada sendo.
 
Porque não vi o mundo por onde andei, da forma como os intelectuais devem ver. Eu vi o avesso. Eu vi princesas encasteladas. Eu vi um velho imobilizado em uma grande sela de madeira maciça- como as selas de cavalos - que lhe servia de cadeira, para tomar sol na praça de um "pueblo" espanhol. E a tristeza daquele olhar, jamais esquecerei

Também vi tristeza em milionários, em camponeses e em cães sem dono.   Homem e cães sem dono são homens e cães sem dono, nos mais variados idiomas. 

 Em todos os lugares por onde andei, uma coisa eu observei: a terra está embaixo de nossos pés e o céu muito acima de nós. 

 Na fronteira de Gaza, eu vi  um soldado assustado atrás de uma trincheira.  E falei com o soldado, e nos entendemos, sem conhecer uma única palavra do  idioma hebraico, e nem ele do idioma português. E o que falamos foi de maior relevância do que uma entrevista com Ariel Sharon.
 
 Ainda preciso postar por aqui algumas dessas histórias. De Roma, já liberei: “ Meu Outono em Roma.” Alguém já leu? Se não leu, vale a pena ver Roma sob a ótica de um ser que mistura o Vaticano, o coliseu, o papa, um cachorro e eu. A mim me parece um jeito absolutamente único de ir a Roma e não ver o papa.
 
 Para concluir: aborrece-me ser essa que sou!  Não me aborrece- porque- sei –que- nada- sei. Mas porque tenho a  impressão de estar vivendo de maneira artificial, correndo o risco de, a qualquer momento, ser desmascarada. 
 
Então, para não correr esse risco, tiro logo a máscara e declaro: sou de uma total incompatibilidade lógica. Ou seja lá o que fôr que isso signifique. Acho que significa assim: não dá para dizer o que sou, nem o que sei, nem o que tenho para dar. Em mim não tenho nada, mas procuro, tanto quanto possível, ser autêntica.   Não há adjetivo que me deixe mais feliz do que esse.  Porque o Deus a quem eu sirvo, com a minha habilidade para escrever, é da mais pura autenticidade.
 
 E, para encerrar,  esclareço  logo aos meus pares: esse alheiamento intelectual não é por falta de leitura, não é por falta de boa vontade, não é por falta de empenho, mas por vocação para a lerdeza mesmo.
 
 O que me falta em resolução léxica, sobra-me em azul de infinito. Esse infinito que se delineia, me chama, não se resolve, e eu continuo perseguindo, como o caçador persegue  borboletas em campo coberto de trigos.   
 
 E ficamos assim: eu tentando captar e escrever o que apenas pressinto, e você sabendo que sou o que acabei de confesssar via Web para todo o Brasil: caçadora de borboletas abençoando a sua vida. Com palavras.