Belas bandeiras

Nos dias de hoje as cidades do Brasil estão mais bonitas, mais coloridas. Bem, suponho que as outras cidades do Brasil estejam tão belas quanto o Recife e a sua região metropolitana. Circulo muito por Recife, Olinda e Paulista; e sobre essas três cidades posso afirmar: Estão belíssimas. E como todo o Brasil vive o contagiante e festivo clima eleitoral, creio que essa beleza colorida invadiu todo o território nacional (pelo menos as grandes cidades).

São bandeiras de todas as cores e de todos as matizes ideológicas. São bandeirinhas e bandeirões vermelho, azul, amarelo, verde, rosa; enfim, todas as cores estão expostas por nossas avenidas, calçadas, pontes e praças. E é uma beleza reflexiva (pelo menos a mim faz refletir).

Como ando muito de ônibus e não preciso me preocupar com a condução do veículo que me transporta, posso aproveitar as viagens que faço nos ônibus urbanos do Recife (quando viajo sentado) para apreciar as paisagens de nossa cidade e das cidades vizinhas (Olinda e Paulista, como já frisei anteriormente). Normalmente são paisagens comuns e sem muitos atrativos, já incorporados ao meu cotidiano de ir e vir: São favelas, carroças de churrasquinho e de CDs e DVDs piratas, meninos cheirando cola, estudantes em algazarras, com suas fardas escolares; trabalhadores informais ocupando as ruas com todo tipo de comércio, mendigos. Enfim, uma paisagem urbana perfeitamente comum, sem muitos atrativos. Mas no período eleitoral, não. Não é só isso: há um atrativo a mais nas ruas do Recife e cidades circunvizinhas. São elas, as bandeiras e os cartazes dos candidatos no próximo pleito eleitoral. E além de coloridas, muitas dessas bandeiras e cartazes trazem estampada a foto do político, quase sempre sorrindo, não se sabe de felicidade com a perspectiva de ganhar dinheiro e prestígio (ou aumentar o dinheiro e prestígio que já possui) com o cargo eletivo que pleiteia; ou zombando da população que circula pelas ruas, sob o sol quente ou na chuva, exposta à insegurança pública, correndo atrás de trabalho ou de meios de aumentar a renda; das pessoas que estão nas ruas vivendo a vida de verdade, não aquela que se apresenta nas promessas demagógicas e irrealizáveis desses candidatos.

E, mais ainda, o contraste entre as fotos sorridentes, coloridas e maquiadas (haja photoshop para tornar político bonito em propaganda) dos candidatos com aqueles que as seguram nas avenidas e praças é um atrativo a mais. Porque esse aspecto é o que me chama mais atenção quando vejo as bandeiras coloridas e os cartazes dos candidatos: Quem os carrega. Uma legião de desempregados que invadem as ruas, que ficam expostos ao sol, ao calor, sete dias por semana, expostos ao ridículo de estarem ali parados, tais quais estátuas de palhaços, como que uma ode ao descalabro público que os dirigentes da nação construíram neste país colorido e bonito por natureza. É interessante de se ver a expressão dessas pessoas, que ganham entre trinta e cinqüenta reais por semana para estarem ali. Geralmente trazem nos rostos suados uma expressão de constrangimento, tristeza e cansaço. Sentam pelas calçadas, pois deve ser muito cansativo ficar o dia todo em pé no sol, com um pedaço de pau na mão. Há aqueles também que fazem festa, que pulam, cantam e dançam; quase sempre são os mais jovens. Mas eles também se cansam e param, embora creio que faça parte do serviço mostrar-se animado e feliz, pois não pega bem um corpo arqueado, cansado, faminto, suado, com uma expressão no rosto de idiota e deprimido, em dissonância com a beleza, elegância e alegria da foto exposta na bandeira ou no cartaz.

É uma pena que estejamos no final do período eleitoral. Dentro de alguns dias nossas cidades perderão o colorido das bandeiras e dos cartazes; das ruas sumirão as músicas e os jingles dos candidatos, que irritantemente se repetiram nos nossos ouvidos, tornando algumas até simpáticas e familiares. A multidão de desempregados pouco entusiasmados, carregadores de bandeiras e cartazes sumirá das ruas. Irá voltar à rotina de poucas perspectivas e nenhum emprego. Alguns ainda tentarão bater nos gabinetes dos outrora candidatos, já devidamente empossados, mas de sorrisos receptivos sumidos dos rostos, e só encontrarão portas fechadas. E nossas ruas, ah! As nossas ruas voltarão ao preto e branco dos pivetes, dos ambulantes, dos estudantes, dos assaltos, das filas de emprego, dos hospitais e escolas sucateadas, dos trabalhadores endividados, etc. Tudo voltará ao normal... Até daqui a dois anos, quando teremos eleição novamente, e o brilho e a alegria das bandeiras irá voltar, assim como os carregadores de bandeiras e suas indefectíveis fisionomias de palhaços sem graça.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 11/09/2008
Reeditado em 22/07/2014
Código do texto: T1172774
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