Assustadora correria. Vejo tudo aqui de cima, meio escondido na penumbra de um dos dois cômodos do meu esconderijo de mundo, talvez por não querer mais me fazer notado por aquela multidão, que passa todas as manhãs em ritmo acelerado, de lá para cá, daqui para lá. Estou na janela, vidros fechados e uma densa cortina ainda encobrindo o raiar do dia.
Havia feito um café, estava bem quente, sorvei um gole, e mais um gole, e novamente passei a vislumbrar o constante tumulto que aquela frenética multidão provocava. No meu particular ambiente, uma luz ainda tentava aparecer meio à fria e desencontrada; travada intensa luta de sobrevivência com o enfumaçado cenário. Acendera a um cigarro também, típico vício do amanhecer. E a fumaça criava ali um cenário insinuante. Não, por nada neste mundo eu desceria e abandonaria o meu recinto para me misturar àquela gente.
Não os culpo pela pressa insana, na verdade é um sentimento de pena que eu nutro por eles. Parecem pensar que todos os problemas de suas vidas irão se resolver no instante em que chegarem a algum lugar.
Lá fora, o dia não era tão lindo assim, pois não se via um Sol radiante. E que Sol, por mais radiante que fosse, conseguiria projetar os seus raios através da densa poluição que se assentava acima das ruas da grande metrópole, todas as manhãs. Se tenho eu, o vício de fumar, a cidade também o tem.
Um suspiro, e mais um gole de café completaram o frágil amanhecer paulistano. Acendi outro cigarro, mas dessa vez, a fumaça que se espalhava pelo ambiente, oferecida pelos meus cinzentos pulmões, me lembrou uma atmosfera mais Sulreal. Ainda assim, não desci, porém, olhava muito mais atentamente agora, aquele frenesi social.
E a multidão ainda, de lá para cá, daqui para lá. Um dia igual aos demais, em que a temperatura oscila tanto que é fácil perceber a grande diversidade de trajes, de inverno e de verão, ou de meia estação.
Cá comigo, imerso em reflexões sobre as ingerências do Ser, tal qual filósofo de época, doente e infeliz que era, pensei. Aonde vão com tanta pressa? Seria ao local de trabalho, à escola, à casa de alguém a esperar? Mas aqui, ainda se espera por alguém?
E aqueles dois ali, o que fazem abraçados e de sacolas de supermercados nas mãos? Não me parecem estar com muita pressa, talvez por seguirem em outra direção; na contra mão, da vida, para uma outra vida, dentro desta grande e imprevisível Selva de Pedra.
Coisa estranha! Talvez sejam intrusos no cenário do cotidiano. Outra coisa estranha!
Ternos e mais ternos, que se misturam na multidão. Quem é quem, do engraxate ao jurista, do empregado ao patrão?
Quem ali será refém? E os que sobrarem, quem serão?
Foi assim, que estraguei minha saúde, durante tantos anos passando despercebidamente por você, linda capital. Desse mesmo jeito que agora vejo esses rapazes e moças, esse mendigos e putas, essas sirenes e gritos. Assim mesmo, tal qual a minha jovial saúde, que você bem recebeu, que eu perdi, por não dar valor ao tempo, por só sentir a natureza e achar que ela era sólida, e o pouco vento; deixei mesmo de regozijar grafites e mesmo em tom sintético e empalidecido, de adorar o Sol, como fazia eu com a Lua, embriagado e desorientado, nas noites que um dia garoaram aqui.
Mas, já chegou a hora. Aquela gente toda vai ficar para o outro dia, o outro amanhecer. E eu vou me deitar, pois já me canso fácil e nem pensar direito, eu penso mais. Talvez, esteja à mercê da sorte, ou quem sabe a morte, nesta correria insana, me esqueceu na lama, ou me deixou pra trás.
O Guardião
Enviado por O Guardião em 11/09/2008
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