O BEIJO DO BOI

O BEIJO DO BOI

O aroma vindo do caldeirão de alumínio preto de fuligem, fazia a gente salivar. Fervendo sobre o braseiro fazendo dançar nas bolhas da ebulição, pedaços da carne e da fruta. A visão e o cheiro que invadia a mata, fazia esquecer o cansaço e aumentava a fome. Ao redor do fogo, todos de cuia na mão esperando com paciência a hora de matar a fome e descansar o corpo. Delícia!

Éramos quatro. Três tinham o mesmo nome: Sebastião. Para diferenciar, o motorista do velho caminhão era chamado de Bastião. O que trabalhava na Moto Serra era o Tião e o ajudante, sujeito forte e meio branquelo, em uma mistura de indio com italiano, atendia por Tiãonzinho e eu, que lá me batizaram de “mineiro”.

Trabalhávamos na velha serraria em Baião, cidade a 400 quilômetros da capital quase tão velha quanto Belém do Pará. Baião era banhado pelo Rio Tocantins que se espraiava até onde a vista alcançava. Ficou conhecida só quando a Polícia Federal prendeu nela o famoso italiano mafioso e traficante “Buscheta”

Saíamos às 04h30min da manhã. O orvalho e a semi-escuridão ainda tomavam conta de tudo. O primeiro esforço era para empurrar o caminhão Chevrolet que mais parecia um esqueleto andando.

Não tinha cabine e nem a carroceria. O banco do motorista era de madeira que nos cabia apertados uns aos outros. As rodas estavam livres das lonas de freios e quando queria parar o Bastião gritava e todos pulavam para a picada, incluindo aí o motorista Bastião (não existe estrada), e íamos agarrando na sua “Cabeleira” formada por um punhado de cordas e cabos de aços que iam arrastando e varrendo o chão por onde o velho Chevrolet passava até o esqueleto parar. O perigo era pouco porque a geringonça não passava de 20 quilômetros por hora.

O trabalho era duro. Achar a arvore certa, chegar o velho caminhão o mais perto possível, derrubar a árvore, desbastar e cortar em toras de 5 metros. Depois o mais penoso. Arrastar aquelas toras pesadíssimas até acomodá-las por cima do chassi. E o trabalho só parava quando a carga estivesse completa.

Enfrentávamos os espinhos, os doidos dos mosquitos cada um com um ferrão maior do que o outro, um monte de inseto que pica, morde, roe, as dolorosas ferpas que rasgavam a carne e pancadas e esmagamento a toda hora.

Como não dava para voltar à cidade, levávamos o almoço para fazer no mato mesmo. O prato era repetido dia após dia. Primeiro porque era barato e segundo, os três Sebastiões gostavam.

Beiço de boi com mamão verde, que o trio chamava de “beijo do boi”. Para fazê-lo, comprávamos na feira de quatro a cinco quilos de beiço do boi por uma ninharia. O mamão verde a gente catava no mato. O peso do prato fica por conta da farinha de puba, aquela cheia de caroços que os amazonenses adoram.

A gente fazia assim o Beijo de Boi. Três ou quatro mamões verdes. Quatro a cinco quilos de beiço de bois, pimenta, sal e água.

Coloque em uma vasilha bem funda, (no nosso caso um velho e gordo caldeirão de alumínio), os beiçinhos do boi ou da vaca, os mamões verdes descascados e picados (não precisa tirar a semente) em pedaços grandes, o sal e as pimentas.

Deixe cozinhar até os beiços deixarem um garfo os perfurar sem esforços. Deixe bastante caldo e está pronto. Agora é só fazer uma montanha de farinha de puba e bom apetite.

Ah! Se tiver pinga, tome umas quatro doses antes.

Hortazevedo
Enviado por Hortazevedo em 11/09/2008
Código do texto: T1173135
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