Eu tenho um protesto

Disseram para me calar. Disseram que não valeria à pena. Eu mesmo acreditei nessas mentiras. Já me perguntaram se simplesmente escrever gerava alguma ação...

Agora eu me lembro que nada pode ser mais poderoso do que a palavra bem empregada. E mesmo assim, ainda fazemos guerras... Mesmo nos considerando civilizações avançadas, mesmo acreditando na ciência, na tecnologia, e em Deus.

O que tem haver? Hoje, eu tenho um protesto.

Cada um tem seu motivo para escolher sua profissão, nobre ou não. Isso não é da minha conta. Mas está bem claro pra mim, que escolher medicina faz com que a sociedade nos veja com mais dignidade, porque a partir desse momento estamos abdicando de boa parte da nossa vida para cuidar do outro. Tudo o que você aprende é para tratar do outro. O mínimo de compaixão, acredito, é necessário.

Não é novidade que o sistema de saúde no Brasil não garante o mínimo necessário para compaixão. E por isso, aprendemos que devemos escolher quem merece o único leito disponível. E quem se responsabiliza pelos que ficaram sem leito? E se faltam médicos? E se faltam exames? E ainda, e se falta compaixão? O paciente deixa de ser um ser humano e passa a ser um “problema” e vai sendo transferido de especialidade...

E você, doutor, deixou a sua família para cuidar da família de outro. Deixou seu filho, para salvar a vida do filho de outro, deixou seu marido/esposa para salvar a vida de outro. Você esqueceu os seus problemas, para transformar essa vida em outro problema?

Não seria mais fácil todos se ajudarem? Porém o mais fácil parece um caminho árduo, porque é trilhado no caminho da mudança.

Eu só estou começando, ainda acredito num mundo melhor, acredito em sustentabilidade, e vi muitos desistirem.

Vi um lugar onde a excelência de ser médico não existe para muitos profissionais, e pessoas que tentaram mudar essa realidade foram caladas ou foram embora. Porque não quererem manchar suas mãos seus diplomas, por nada.

Esse protesto é para acordar a compaixão desse país, “abençoado por Deus?”. É para pedir que se mantenha em mim a necessidade eterna da mudança, porque o abandono também não resolve, apesar de às vezes, nada ser mais digno.

Esse protesto é contra a nossa obrigação de “puxa-saco”. É para nos fazer lembrar que precisamos acreditar que nossas vozes podem ser ouvidas. Só precisamos gritar as palavras certas. Não vestir camisetas “no-sense”, arriscando perder o que podemos ter de melhor, o orgulho de ser médicos. Porque ainda podemos nos orgulhar de sermos bons em cuidar dos outros, em amparar, compreender, dar qualidade de vida e qualidade de morte, porque está na nossa mão conduzir o cuidado, mas ainda assim precisamos dos outros profissionais.

Protesto para lembrarmos como é importante cada professor que temos, como cada um deles nos torna aquele profissional que seremos. Então, protesto por essa instituição perder um dos melhores mestres em ensinar que já tive. Alguém que me mostrou além da necessidade dos conhecimentos teóricos, também o amor em trabalhar, alguém que trata seu paciente como igual, me ensinando o verdadeiro significado da compaixão. O professor Fernando Bellíssimo lutou pelos ideais dos alunos e dos pacientes, não há palavras para descrever essa injustiça.

Esse protesto é para pedir, a Deus talvez, que olhe por nós, para que eu não mude meus ideais, por nosso Hospital-Escola que tanto necessita da sua abençoada atenção, já que aqui, NINGUÉM “pode” fazer nada.