O diabo e o poeta, no suspiro dez

Em algum Suspiro anterior o poeta se apresenta como alguém que não tem sentimentos e que precisa escrever para usurpar as emoções dos seus poemas escritos (por isso precisa viver de poemas para assim amar a lua). ("Não escrevo para dizer o que sinto/ Mas para sentir o que digo"). Agora ele se encontra novamente com o Diabo (que busca a resposta para a lógica do homem ser como é).

O Diabo volta a falar com o poeta

Estava o poeta sentado na grama e encostado numa árvore conversando com sua mente, quando ouve uma voz vinda do vento noturno.

-Como pode amar? – era o diabo.

- Quem fala comigo?

Da onde vem esta voz

Que ouvi agora?

Estou sendo assombrado

Pela alma do diabo?

-Sou o próprio. – respondeu-lhe – Como pode amar se é limpo de sentimentos?

- Amor não é sentimento

É o nosso pacto com Deus.

Amar é continuar a viver

Mesmo sem mais existir.

E só se ama

Uma vez, eternamente.

Como a vida.

E agora te pergunto

De muita curiosidade:

Tem você

O pacto com a divindade?

-De sentimentos sou cheio.

- E tu amas

Sem receio?

-Eu vivo, mas não existo como sou.

- Isso é amar

E por quem

Sente eternamente?

-Não amo de paixão, meu amor não é poeta. Amo como um filho ama o pai, como um homem ama a mãe e o irmão.

- Mas ama com o coração

E isso é viver.

-Mas não existir.

- Mas é amar.

(...)

- Ama tu os homens?

-Como posso amar algo que desconheço? O homem é, para mim, uma incógnita... seria hipócrita em amar algo que nem eu mesmo entendo.

- Não procure entender o homem

Pela mente.

Eu mesmo não me entendo.

Só sou uma parte de mim,

Pois o que mora aqui (e tocou no peito)

É mais do que conheço

É mais do que sou...

O homem é mais complexo que o universo,

O homem é mais complexo que o universo.

-Como posso então compreender o homem se não pela mente?

- Pelos atos,

Só mente.

Antes de sumir, ecoou pela cabeça do diabo esta última frase do poeta e uma breve confusão se instaurou em seus pensamentos.

Calor do cão
Enviado por Calor do cão em 02/03/2006
Reeditado em 02/03/2006
Código do texto: T117966