Uma Breve História de Um Gato Órfão

Tive dias agitados no trabalho esta semana. Para quem não sabe, divido as tardes com meu pai em uma firma de polimento em alumínio, inox, bronze e outros metais. Tudo na intenção de devolver o brilho e a beleza de tempos remotos àquilo que se encontra opaco e fosco. Mas enfim, como ia dizendo, essa semana foi muito, muito agitada.

Talvez pelo excesso de serviço acumulado esperando sobre a pressão do freguês para ser entregue com rapidez e qualidade. Talvez por minha avó, que após mais de 40 anos separada de meu avô, está de malas prontas para reatar o casamento com o velho (que mora aos fundos) e não cabendo em si de alegria, passa o dia zanzando de um lado para o outro entre máquinas e ferramentas, tagarelando sem parar. Talvez... Porém, o que sei afinal, é que aliado a uma gripe ferrenha que me obstrui as narinas a semana foi cheia.

Apesar de tanto rebuliço não é disso que pretendo tratar nessa crônica, mas sim de um personagem em especial, de um animal mamífero, carnívoro, felídeo, digitígrado e de unhas retráteis, cuja condição que se encontra me chamou a atenção. Durante os cinco dias últimos, um gato grande e de pêlo judiado fez um velho balcão de madeira e uma prateleira de metal que se localizam na entrada da firma, de moradia. Não! Mais do que isso. Os fez de leito.

Por isso estimado leitor se prepare e se acomode, pois nas linhas que se seguem, vou lhes contar uma breve história, uma breve história de um gato órfão.

Há cinco, quem sabe sete anos passados, apareceram dois destes felinos, na firma onde trabalho. Ainda filhotes e magricelas, os bichanos imploravam com miados fracos e desesperançosos por uma tigela com leite. Os acolhemos, demos alimento, água, uma caixa de papelão e pano quente. Pronto. Foi o suficiente para que adotassem ali como o novo lar.

Um deles sumiu logo no início, deve ter sido engolido pela seleção natural que já presumira Darwin. Mas o outro não, esse era forte, robusto e mesmo sozinho acabou em pouco tempo com todos os ratos que por ali faziam festa. E assim, tocou sua vida felina e solitária. Sobrevivente que foi, aproveitou pelo menos seis de suas sete vidas andarilhando por telhados vizinhos, fugindo de cachorros sanguinários e arranjando na calada da noite, briga e namoradas no cio. Não foram raras as oportunidades em que voltou após semanas de ausência todo estropiado e mulambento, mendigando por cuidados.

Mas agora, esparramado nessa prateleira de metal que um dia já foi verde, tento e não consigo enxergar a vitalidade de outros verões. O tempo também pesou para ele. Seu bigode está branco e caído. Ele tem um machucado profundo na parte superior das costas. Aproximo e percebo que seus olhos estão de igual cinza que seu pêlo ralo.

Em meio a calotas, latas e parafusos ele se disfarça de coisa. Enquanto o mundo cai com o barulho de maquinários, de carros propagandeando campanhas eleitorais e de fregueses bonachões que encontram no grito a melhor maneira de diálogo, ele dorme. Camuflado na poeira fina e nublada que toma a prateleira e faz as vezes de colchão ele desfalece, mingua, desalenta em sua condição de gato cansado e vivido.

Depois de gastar todas as vidas que tinha direito, de dar todos os pulos que lhe foram necessários, e incomodar o máximo possível de vizinhos com aqueles miados que se assemelham muito com choro de bebê recém nascido, o gato (que não tem nome) encontrou uma última força para retornar ao seu local de origem e esperar pacientemente pela morte. Assim como o irmão. Assim como os gatos que gastam as sete vidas que possuem. Assim como no início, precisando de cuidados em seu leito de poeira. Assim como era de se esperar... Órfão como sempre.