Por Jean Wyllys

Madonna, diva mundial
É principalmente a nossa comunidade gay que está em polvorosa por causa da vinda de Madonna para o Brasil. Os gays se identificam com a pop star desde que ela estreou na cena pop internacional, no início dos anos 1980. Aliás, assim como é própria dos gays a inclinação para a leitura, para o desenho, para a imprensa, enfim, para as artes ou para a cultura, é específica do modo de vida da ampla maioria dos gays a identificação com personagens ou personas femininas, em especial as heroínas e as divas do cinema ou da música.
Ao contrário de outras divas (como, por exemplo, Barbra Streisand, que só é ícone da cultura gay dos anos 70), Madonna atravessou gerações: ela triunfou sobre os detratores; sobreviveu à renovação permanente que move a indústria do entretenimento e que levanta ídolos com a mesma velocidade com que os derruba; deslocou-se da condição de objeto das mídias para a de manipuladora das mídias; e virou história.
Madonna venceu o tempo e o espaço. Do Alasca à Terra do Fogo; de Lisboa a Pequim, pouquíssimos são os que nunca ouviram falar dela nesses últimos quase trintas anos. Madonna conquistou milhões de fãs em todo mundo por causa da música, mas, sobretudo, pela combinação desta com a atitude – atitude é tudo que se espera de uma estrela.
Parte significativa destes fãs é formada de gays. Como eu ia dizendo, desde que se anunciou a vinda de Madonna para o Brasil, a comunidade GLS está em polvorosa. Gays que me conhecem e os que não me conhecem pessoalmente, quando me encontram, repetem a mesma pergunta: “Você vai ao show de Madonna?”. “Não”, eu respondo, para espanto de meus interlocutores. Não, eu não vou a nenhum dos shows de Madonna no Brasil. “Por quê?” é a pergunta seguinte (e eu imagino que também seja a pergunta que alguns de vocês gostariam de me fazer agora).
Ora, porque já não tenho mais paciência nem energia para encarar multidões – eu que já perdi as contas de quantos carnavais de rua já brinquei em Salvador, em meio a milhões de foliões desembestados. Eu quero cada vez mais sossego e conforto. Em vez de pagar um ingresso caro e correr o risco de ver Madonna com as dimensões de uma pulga loura, a saltitar num palco gigantesco, em vez disso, eu prefiro alugar ou comprar um DVD da cantora e ver os detalhes e os extras no aconchego da minha sala e longe das filas e do sol ou da chuva.
Só os que sofrem de paixonite de massa por Madonna podem encarar um Maracanã lotado para ver a pop star. E o Maracanã estará lotado porque Madonna, como nenhuma outra estrela pop, sabe despertar a paixonite de massa. Porém, eu não sofro de paixonite por ela. Gosto mais de Madonna pelo seu impacto na cultura do que simplesmente pelo fato de ela ser uma diva pop. Interessa-me mais seu pós-feminismo, que a leva ora a celebrar a bissexualidade sadomasoquista ora a posar de mãe e esposa devotada, a distribuir comida a galinhas, na capa da Vogue. Prefiro, antes, a sua representação de mulher livre da dominação masculina – livre, inclusive, para se fazer de escrava do homem que ama. Gosto mais de seus questionamentos da moral ocidental por meio de performances estéticas em que cabem tanto louvores a um santo negro e vítima da Ku Klux Klan quanto os símbolos da cabala judaica, passando por uma immaculate collection dedicada ao Papa. Eu gosto de Madonna porque, ao contrário das outras estrelas “transgressoras”, ela não simula a loucura: ela perturba de fato.
Sim, Madonna desperta e promove a paixonite de massa, que é o motor do consumo. Mas, ao mesmo tempo, ela desorienta seus consumidores quando, por exemplo, aparece pagando um boquete numa garrafa tradicional de coca-cola. Há atitude mais perturbadora porque política?
Não me lembro de ter sofrido de qualquer paixonite ao longo de minha vida (na adolescência, talvez eu tenha desenvolvido um princípio de paixonite por Caetano Veloso, Daniela Mercury e Adriana Calcanhotto, mas, este princípio de paixonite logo se transformou em admiração crítica). A paixonite de massa é o interesse na fama e no sucesso que se encerra aí, na fama e no sucesso; é o interesse apenas por quem ou pelo que está na crista da onda ou no topo das listas; é o gosto frívolo e histérico. Ela é característica dos adolescentes e jovens (o que explica, entre outras coisas, o ranking do Bloglog e o fato de o NXZero ter substituído os Detonautas no papel de bola da vez da cena teen).
Não escolho meus ídolos pela paixonite, mas, sim, pela relevância cultural de seu trabalho, assim como não escolho um exemplo a ser seguido pela quantidade de títulos, prêmios, cinturões ou medalhas que ele ganhou por causa de seu trabalho, mas, sim, pelo fato de ele ter retidão de caráter, ser honesto consigo e com os outros e não exibir virtudes que, de fato, não possui (ou seja, não ser hipócrita).
Fonte: Jean Wyllys' Blog, acesso em 19.08.2008
 
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 19/09/2008
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