JUMENTO TEM MEDO DE MULTIDÃO.
ANA MARIA RIBAS.

Quando aceito, alegremente, que meu negócio é mesmo escrever, Deus olhou para a minha capacidade de submissão e decidiu que aquilo estava fácil demais. Resolveu remexer. Deliberou-se de novo, que o meu negócio não será só escrever e ler - será também falar. Mas todo mundo não fala? Fala! Eu também falo, mas Deus parece me querer falando um pouco mais.

Porque tenho boca, e tenho palavras que me vêem à boca. E tenho idéias, que não me surgem do nada, mas por inspiração divina. E conheço o Senhor Jesus, e a sua Palavra. E tenho um testemunho para contar ao mundo, porque sou uma mulher de dores, e as dores falam com o coração do mundo.

Mas, em quinze dias, ou talvez vinte dias, nesses poucos dias, em que fiquei muda, por motivos que os leitores fiéis já sabem, nesses quinze ou vinte dias, algo mudou dentro de mim.

Eu que já pegava o microfone sem tremer, eu que parecia ter vindo ao mundo também para falar, de repente, daqui do conforto da minha escrivaninha, só escrevinhando, percebi com alegria que não me queria mais falando. Que só me queria escrevinhando, tão bom é escrever: escrevo de pijama, de pantufas, de pegnoir, descalça, de chinelo, e se bobear, posso escrever até do jeito em que nasci. Embora desse jeito nunca tenha experimentado.

Meu Deus, eu não entendo Deus. Sei que Deus não é para ser entendido, mas justamente agora? Agora que estava feliz, em sendo apenas escritora, começam a chegar convites para eu ser de novo narradora? E eu que tenho com Deus um pacto de viver para Ele, posso negar-lhe de contar ao seu povo, o testemunho do que ele fez em minha vida? Não posso!

Bem, na verdade, esclareço aos meus pares: não são tantos convites assim. Falando desse jeito há de se pensar erroneamente que seriam uma dúzia de convites. Não são. Divida por dois e você terá seis. Depois divida por mais dois, e o número exato será esse de que vos falo: três. Fui amenizando, aos poucos, a sua expectativa, para diminuir o impacto da decepção.

São apenas três, sendo que um dos três, veio de outra cidade. Olha que international! Deus fez com que me viesse um convite de outra cidade! Isso é tão significativo. Significa que Deus levou o meu nome, nas asas do vento, até outra cidade. E trouxe nas asas do telefone, o convite, para o qual, meio no susto, acabei dizendo sim.

Se vocês me vissem! Eu fiquei de uma delicadeza impossível. Desliguei o aparelho, coloquei as mãos cruzadas no colo, olhei em volta e, por alguns segundos, meus pés nem tocaram o chão dessa terra áspera. Eu só suspirei.

E depois do suspiro, que acabo de lhes contar, suspirando de novo, como se esse suspiro fosse aquele, e não este, tenho que parar de enrolar e contar o resto: o primeiro convite, eu deixei em aberto.

O que significa deixar um convite em aberto? Significa: “nem sim, nem não”. Pedi à Irmã Marina, que - honrosamente- me convidou, - pedi à irmã Marina, que procurasse outra pessoa mais preparada, e caso não encontrasse essa outra pessoa mais preparada , então, o negócio seria com esta mal preparada que vos escreve.

“Vai que é tua, Tafaroa.” Com toda a reverência que me acompanha, nessa vã tentativa de ser engraçada. Foi o jeito que achei de fazer prova com Deus.

Só que hoje eu não estou engraçada, estou amplificada. Vejo horizontes onde só há paredes, aqui na frente desta branquinha, em que me encontro, escrevendo para vocês.

Porque deixei em aberto o primeiro convite é uma coisa que não estou deglutindo bem. Penso saber explicar, e a explicação seria essa: foi o primeiro convite, e o primeiro bem poderia ser um equívoco do homem. Eu não podia crer que era Deus me chamando, através da Irmã Marina. Não de novo.

Eu sei que Deus não comete equívocos, mas como saber se Deus é Deus mesmo? Pois para que não me sobrasse nenhuma dúvida, Deus caprichou: em sequência, chegaram-me os outros dois convites. Como se eu fosse uma pregadora conhecida. Que não sou. Portanto, sendo uma desconhecida, tenho que admitir que três convites em sequência, querem dizer assim: EU SOU O QUE SOU!

Mas continuo deixando em aberto o primeiro convite. E por que, Ana Maria e por que? Ah, tá bom, vocês me pressionam tanto, que eu confesso: porque tenho medo. O medo que acompanha qualquer situação nova, que possa ameaçar a minha preciosa imagem velha.

Isso tem um nome:preservação da imagem. O homem se respeita tanto, e se tem em tão alta conta, que foge da demonstração de qualquer tipo de fraqueza que não se coadune com a sua imagem ideal. No meu caso, a imagem de uma mulher inteligente e segura; Ha! Ha! Ha!

A minha fraqueza vem do fato de que fui convidada por uma grande denominação, com muitos membros e muitas expectativas, para um culto de encerramento de missões. E eu penso que para algo dessa dimensão, vai me faltar envergadura. Não sou evangelista, sou ensinadora. E só sei ensinar como um mestre ensina os seus pupilos: sem pompas.

Esse é um dos motivos.

Mas esse é o motivo que encontrei para me enganar. O verdadeiro é: sou uma mulher de pouca fé.

Contudo, essa pouca fé, menorzinha do que um grão de mostarda, não me impede a convicção interior de que, se Deus quer-me usar naquele púlpito, no próximo domingo - não se achará mais ninguém para pregar naquele púlpito, no próximo domingo. E aí, “se não tem tu, vai tu mesmo.”

Irei. E irei, consciente de que, a escolha soberana de Deus é o segundo “tu” e não o primeiro. Mas - outra vez?  pergunto, eu.

Outra vez – respondo eu. A vontade de Deus prevalece nos homens e mulheres que se submetem a Ele, e dessa maneira, Deus elege os fracos, para neles revelar o Senhor que é forte, que é Maravilhoso, que é Conselheiro, que é Deus forte, que é Pai da Eternidade e que é Príncipe da Paz. Jesus é!

Uma pergunta eu me faço. Três convites significam: outros virão? Devo preparar-me, psicologicamente, para acumular essa outra função? Porque se me gasto toda, nessa difícil tarefa de querer o que já não quero, e depois acabo querendo para me amoldar à vontade de Deus- se me gasto toda, querendo o que Deus parece querer por mim, - e depois que quero, Deus decide não querer mais – o que é isso senão um jeito de ser tratada com a cruz de Cristo?

Estou procurando pistas que me levem à próxima instrução, e me deparo com esta que vou compartilhar agora, com vocês.

Somos todos Sherlock Holmes!

Antes que os convites viessem – e começaram a chegar antes de ontem, à tarde, todos em sequência - chegou-me um comentário, via escrivaninha, que diz assim: “ Percebi que sem o pequeno jumento, Jesus não entraria em Jerusalém.”

Fiquei pensativa com esse jeito de mandar notícias. Porque conheço quando as notícias são da terra, e conheço quando as notícias são do céu. E essa veio do céu. Está postado em “comentários”, recheada de versículos bíblicos, para quem quiser conferir. Vai lá: “ Eu ontem fui demitida.”

Aquela que foi demitida é o pequeno jumento.

E depois, esse homem de Deus, que é meu leitor, esse homem que percebeu que sem o pequeno jumento, Jesus não entraria em Jerusalém, continuou a sua fala, no imperativo, para mim:
-“Vá em frente”.
-“Sim, irei em frente.” Eu daqui lhe digo.
E ele afirma, sabendo das coisas:
-“A porta da parábola está se abrindo.”
E eu, de cá, lhe respondo:
-“Amém, passarei por ela.”
E depois, ainda me exorta:
-“É só mais um passo de fé.”
- “Amém, amém. Darei esse passo.”

Darei esse passo mesmo sem entender, porque Deus não existe para ser entendido, existe para ser obedecido. Mas confesso para todo o Brasil: o pequeno jumento tem medo de uma grande multidão.

Uma grande multidão de 100 pessoas.

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Acabei de receber um telefonema, informando-me que não se achou mais ninguém para pregar, neste domingo. Amém! Que seja feita a vontade de Deus em minha vida, e que Ele seja grande nesta irmã menor.