A DIVINA

Todo ser humano, ainda que não pareça, tem algo de bom, e de ruim. Uns valorizam bem o passe, ainda que vendam gato por lebre.

A moça não tinha culpa do apelido que lhe deram, nem poderia, surgiu quando não sabia falar. Culpa da avó que toda vez que via ou pensava na menina, primeira neta, se derretia perguntando a quem estivesse mais perto:

- Ela não é divina? Pronto, virou Divina.

Cresceu mimada como não poderia ser de outra forma para quem respondia ao chamado pelo apelido que ganhara e desenvolveu dotes não muito aconselháveis, um pouco de soberba, algo dengosa, chorona como só ela quando qualquer coisinha lhe afetava, a Divina menina era intragável, mas lindinha.

O Neimário, uma década mais velho, morava na mesma rua, colega de aula e de turma dos primos da garota, torcia o nariz, não gostava do seu comportamento, mas aquilo não era problema dele. Certa vez comentou que a menina era bem bonitinha, apesar de chata.

Divina cresceu e na adolescência recebeu da vovó algumas informações valiosas; segundo esta, na família, “as mulheres levam chifre mas não traem”. Na juventude, passou em revista parte da Camisa 12*, a mais musculosa, mas no estágio em que está, dá um destaque especial a sua maior virtude.

O Neimário só pensou em casar depois dos trinta, algo ressabiado, tinha uma cabeça citada por alguns como um chifreporto. Diziam, “chifre, se voar por perto, pousa na cabeça dele”.

- Namoradas, casos, nada sério, resmungava ele, que sonhava com uma moça pra casar, pra sempre. Uma só, que fosse fiel.

A vida levou o Neimário pra cá, a Divina pra lá e não é que duas décadas depois se reencontraram, o mais genuíno acaso, próximo à saída de uma casa de jogos. A Divina o identificou e ele trepidou de cara, não é que a menina havia ficado “divina”.

Nem duas semanas depois, nem o medo do chapéu de vaca impediu, levou as malas da ainda jovem para o seu apartamento. Enquanto ele havia se tornado um sujeito bem sucedido, a Divina era “competitiva no mercado” mas ainda não tinha chegado à remuneração que desejava, nem a suficiente.

Ganhou uma mulher e uma sócia (ainda bem que não ganhei um sócio, pensava). Os primeiros meses o tranqüilizaram; da Divina, nem rumores de deslizes. Gastadeira a moça, preferia o shopping a geral do Beira-Rio* e não se acanhava na exigência, conhecia os medos do companheiro e não titubeava com seu chavão preferido.

O Neimário encontrou um amigo que comentou:

- Mais um levou chifre, e na cama dele encontrou a mulher com outro, barbaridade, ..., o pobre do Juninho, guri bom e azarado que nem tu.

- Que nem eu era, esclareceu o Neimário, justo quando a Divina se aproximou, sem saber do assunto:

- Preciso do teu cartão, não vou gastar mais de mil. O Neimário chegou a pensar em fazer cara de quem não gostou quando a Divina, que já veio de sobreaviso, apontou-lhe um dedo, fez uma cara de quem diz, ooooolhaaaaaa, e observou:

- Eu não sou vagabunda!

E ele até sorriu quando ela se foi faceira.

* Camisa 12, torcida organizada do Internacional, que fica na geral, atrás do gol do placar, no Estádio Beira Rio.