A Comida da Vovó

hoje é sábado e um almoço regado à batata-frita, bife, salada e coca-cola me fizeram conhecer a maravilha que é a comida da vovó. Tudo isso porque há exatas três semanas, um casal reatou os laços afetivos, na bela Maringá.

Ele estava sozinho, ela o amava. Já estiveram juntos em tempo pretérito e foram felizes por um tempo. Trocaram olhares, telefonemas, frases, e depois de muitas promessas, e suposições, dar uma chance ao outro se tornou a mais nova pretensão desse novo velho casal. Ele rude e seco como sempre fora, ela alegre e desejada como há tempos não se sentia. Ambos felizes em sua nova condição de companheiro e acompanhado.

“Mas o que isso tem a ver?!”, deve estar se queixando o leitor, que gosta de se queixar das coisas, afinal de contas, é rotina casais se separarem, já com hora marcada para o retorno e com data prévia para uma nova possível separação. Entretanto, lhes garanto que essa não é uma história comum aos olhos atentos dos muros e grades dos grandes (ou nem tão grandes assim) centros urbanos, já que os dois corações envolvidos no enredo se tratam de meu avô e avó, que 34 anos depois do adeus fizeram as pazes e voltaram a dividir o mesmo teto. Isso, 34 anos.

Quando se conheceram, ela possuía 13 primaveras de vida e ele, ainda sem barba na cara, beirava os 18. Dois anos depois se casaram, nisso, o calendário de 1960 marcava um dia posterior ao natal. O casório quase não saiu. Antes fizeram uma breve visita ao cartório para adulterar a idade da hoje dona, mas antes, senhorita Leonilda de 15 para 16 anos.

Enfim, o casamento aconteceu.

Três dias depois meu avô perdeu o pai. Entre incertezas e inseguranças deixaram a pequena fazenda sem olhar pra trás.

Nos anos que viriam muita coisa aconteceu. Relatos de traições, intrigas, boatos e desacertos consumaram o fim da união precoce. Minha avó sumiu sem deixar rastro, meu avô tampouco se fez procurar por eles. Cada um reconstruiu sua vida.

Tudo se seguia como sempre fora. Ela lá, ele cá e eu ali. Até que na madrugada de dois sábados atrás, eis que surge uma dessas peças pregadas com ironia desavergonhada pela vida. É dona Leonilda que bate ao portão do velho Dionísio. E ela não vem sozinha, trás consigo o sorriso no rosto e um caminhão carregado de tranqueiragens que vão de sofá e cama a máquina de costura, esta última com o funcionamento duvidoso.

Fez-se a mudança.

E entre tantas parafernálias, não foram apenas os cômodos da residência que sofreram mudanças. Há algo de diferente naquele lugar. Confesso que ainda me causa estranheza ter avô e avó dormindo na mesma casa. Que ver os dois dividindo a mesma mesa beira o surreal e passeia pelo campo das improbabilidades. Mas é sentada de frente a mim, com os olhos brilhando de satisfação e servindo (como apenas as avós servem) cada vez mais batatas-fritas em meu prato, que percebo que o amor não tem hora pra acontecer e em igual medida, idade para renascer porque tenho certeza que o tempo é dos homens, já o amor é de outro lugar, lugar este donde certamente vem o tempero da comida da vovó.