Quando promessa é dÚvida.

Quando promessa é dÚvida.
Ana Maria Ribas

Bem sei que nem se lembram mais, de que, ontem, tive o compromisso de pregar em uma grande igreja. Mas faço questão de pensar que sim, que todos em conjunto lembraram-se de fazer uma prece por aquela que seria a mensageira da noite. Pois bem: quer tenham lembrado ou não, nessa manhã, tenho a alegria de lhes comunicar que Deus em mim, deu conta do recado, de maneira magnífica. Falei sobre a fraqueza das pessoas que foram comissionadas com a missão divina, e a provisão do Senhor que é todo suficiente para as nossas vidas. Ou seja, falei para mim mesma que humana sou, e em falando para a minha humanidade, todos os humanos se iluminaram em seus assentos, e a igreja ficou como uma cidade sobre um monte. Cheia de luz. Da luz da Palavra de Deus.

Mas hoje é segunda feira e desde ontem, quando me desfiz do encargo de ministrar, já meio veio o pensamento livre. Tão bom um pensamento livre. E o pensamento livre que me veio foi este: “promessa é dÚvida.” Obviamente, estou falando das promessas humanas, daquelas que um homem faz para outro homem. Que as de Deus, são infalíveis.

Para nós, humanos, quando descemos o monte, promessa é sempre uma grande dÚvida. E não é porque tenhamos vocação para a canalhice, mas porque a vida trabalha em sentido inverso às probabilidades que você supõe para os outros, e para si.

A rotina, o dia a dia, a vida, chamemos da maneira que quisermos, esse grande monstro de boca aberta que engole as promessas em estado gestacional, ou mesmo aquelas que já nos nascem com o coração enfraquecido.

Promessas que já nascem com um coração enfraquecido são aquelas que não farão absolutamente nenhuma falta ao mundo, se deixarem de ser cumpridas. Do tipo, que eu fiz, um dia desses a alguns amigos: “esta semana, eu apareço lá, para tomar um café com vocês.”

A semana passou, o café esfriou, e eu não apareci para tomar o café, porque nem café eu posso tomar. E a verdade completa é: eu não posso tomar café e não sei tomar visitas. Não, na casa dos outros. Na minha, depende do dia.

Não obstante, no momento em que fiz a promessa, eu pensei que sim: que gostaria de ir, que gostaria de voltar a tomar café, que gostaria de tocar a campainha daquela casa, e passado o momento inicial, que sempre me constrange, sentar-me ao sofá e respirar em largos haustos a felicidade de ser essa que cumpre promessas, aparecendo para tomar o café. E depois, o instante mais feliz: com o recibo de quitação na mão, ultrapassar o portão, dar dois beijinhos naqueles com quem gastei uma hora da minha preciosa vida feita de segundos, ligar o carro e já no quarteirão seguinte, depois que tudo acabou, enfim: experimentar ter sido, aquela normal que não sou.

A verdade é que não sei visitar gratuitamente, não sei chegar, e menos ainda, sair, sem um motivo que possa justificar a invasão domiciliar. Mesmo que tenha sido convidada. Fico empacada na saída, como, às vezes, empaco no final de uma crônica.

Como me oferecer uma saída digna, eu que adentro o recinto sagrado dos outros, sem ter a menor idéia do que vou fazer ali?

Eu posso chegar dizendo, por exemplo: “oi, vim para cumprir a promessa?- estou lhes perguntando.
E na hora de ir embora, eu posso me despedir, dizendo: “então, estive aqui e foi muito bom estar aqui, mas agora preciso ir-me embora?”- eu posso fazer isso? é assim que se faz? sem uma apoteose? sem dizer: “ vim para lhe entregar um bilhete premiado da Mega Sena?”

Meu bilhete premiado da Mega Sena é sempre a Palavra de Deus que levo na bolsa, mas que só posso usar quando a dona da casa devolve-me, em simpatia, a fragilidade que eu lhe revelo. Se, no meio da conversa fútil, digo a ela, suspirando: “a vida é muito breve”, esse falar é uma isca.

Mas se ela, preferindo comer um dos biscoitinhos, em vez de comer a minha isca, responde-me: “pois é, o tempo voa mesmo, que delícia, já estamos perto do final do ano e eu quero curtir todas: natal, fim de ano, férias”- isso significa que ela jogou fora a minha isca e preferiu o seu biscoito. Pois que fique com o seu biscoito!

Então me levanto, e da mesma forma como não tive um motivo para entrar, vou embora, sem um motivo para sair, que não este: a vida passa correndo, e eu não gosto de perder tempo com gente feliz.

Sim, eu sei que uma pessoa que apenas vive, pode expor um pensamento simples e se você lhe der corda- como as crianças, às pipas – elas revelam um mínimo de complexidade. Por essa complexidade, apenas adivinhada, é por onde lhes morde a isca. Mas eu nunca soltei pipas, nunca tive paciência para esperar uma lufada de vento que lhes desse – às pipas e às pessoas - impulso para as alturas. Meu negócio é sempre para ontem, para agora, para já. Quer, quer. Não quer? Fui!

Promessas e visitas. Esse é apenas um dos tipos de promessas que me faço sabendo que, ao fazê-las, acabei de ganhar uma grande dÚvida. Existem outras promessas e outras dúvidas. Todas maravilhosamente destituídas da menor importância, a não ser aquelas que lhes atribuímos, em nosso inconsciente coletivo- coletivo por milhões de idênticas e inúteis promessas, ali abrigadas.


Houve um tempo em que, para fortalecer as promessas que eu fazia para mim, e para os outros, recorria a uma agenda. Não usava a agenda porque o meu dia fosse tão corrido quanto uma agenda pudesse sugerir, mas porque, através da agenda, acionei um mecanismo de proteção em favor das pequenas promessas que me nasciam em debilidade máxima.

O mecanismo era assim: no domingo, eu escrevia aquilo que me propunha a fazer na segunda feira. E por estar agendado que, na segunda feira, era dia de “organizar as gavetas do escritório”, por exemplo, eu organizava as gavetas do escritório, por exemplo. Que incomodava-me ver agendado o compromisso com as minhas gavetas e não cumprí-lo.

Algumas vezes, eu não dava conta da lista comprida, então, fazia um x na frente das que me desvencilhara, e repetia as demais, na página seguinte. Até que tudo fosse um grande X. Quando uma página, era de um grande X, eu era de uma grande Felicidade: Enfim, pronto, o dever de casa, eu podia viver e me gastar comigo, e não mais com gavetas.

Bem, acho que por hoje é só. Tenho que me desincumbir da minha agenda imaginária. Que começou assim: 1- Escrever um texto para o Recanto. XISSSS.

Tenham todos um bom dia, na presença de Deus! 

* A foto mostra eu por mim mesma, com a Bíblia na mão e uma das becas de pregadora. Estava um frio!