O CHÁ DAS CINCO

À tarde, o sol mergulhava nas águas do Rio das Mortes. Vermelho de calor ia se molhando desconfiado, refrescando devagar.

O rio como uma cobra gigante engolia o sol à noite e o libertava na manhã seguinte. Disseram-me que o rio na verdade, tem o nome de Rio Manso e que o “das Mortes”, veio dos massacres cometidos pelos Xavantes contra religiosos e brancos que subiam o rio à procura de riquezas e esbarravam em seu território.

Está vendo aquele barranco nas duas margens aprisionando o rio? Pois é: Chamam-no de barreira do Padre. Foi lá que uma caravana chefiada por um padre estava acampada. Eles queriam chegar à cabeceira do rio.

Os Xavantes apareceram cercando a expedição. O Padre caminhou em direção ao índio que parecia ser o líder, inocentemente levantou uma cruz de madeira de uns 50 centímetros sobre a sua cabeça, segurando-a com as duas mãos, em um ato de fé, acho eu, querendo apresentar ao índio o filho do Criador e dizer que vinha em paz.

Só que o xavante que comandava o grupo entendeu do seu jeito e antes que o padre piscasse, desceu do nada a imensa e pesada burduna, esmagando a cabeça do religioso.

O corpo do padre ainda não havia chegado ao chão e a matança começou, contou com a voz assombrada o Álvaro, guia da Fundação Nacional dos Índios – FUNAI, finalizando com voz lúgubre: - Por estas e outras que o Rio se tornou Rio das Mortes -

Onde que eu estava mesmo? Ah sim! Falava do sol, do entardecer. Todos sentados em circulo conversavam quando as mulheres da aldeia chegaram trazendo o ralador de raízes feito com escama de pirarucu e o espremedor de mandioca, um cone enorme, trançado em fibras de palmeiras e as esteiras.

A mandioca em pedaços previamente lavada, já estava seca nas esteiras. Os olhares dos adultos seguiam o movimento das mulheres. A roda humana estava formada com quase todos da aldeia, menos as crianças.

A velha índia sem marido, nua e meio caduca, que teimava em me adotar como seu filho, deitou minha cabeça em suas coxas magras e sem cerimônia catava piolhos de minha barba e nos meus cabelos.

A conversa era só masculina. Os risos eram femininos. As unhas sujas e grandes da velha puxavam os piolhos de meus pelos e, sem cerimônia, os comia.

A cadência da ralação era ritmada. O farelo da mandioca depois de espremido ia caindo na esteira e as mulheres catavam porções grandes e punham na boca sem deixar cair nada.

Riam e mexiam com a bola de mandioca ralada dentro da boca como um grande caroço de manga. Depois, cuspiam quase todas ao mesmo tempo na esteira estendida e com as mãos ágeis iam formando uma bola de goma e cuspe. E eu olhando.

O volume de mandioca mastigada ficou do tamanho de uma bola de futebol. Dali para o braseiro, enrolada na folha de bananeira. E o ritual para outro “bolo” recomeçou.

Conversas, risos, cuspes, brasas crepitando e o bolo ficou pronto.

De um branco amarelado a bola ficou preto como carvão. Pedaços eram retirados e junto com a fumaça vinha um aroma que me lembrava o polvilho azedo.

Deram-me o meu pedaço. Achei enorme. Todos comiam.

Botei de uma vez na boca e engoli sem mastigar. A pele do céu da boca desprendeu, os olhos encheram de lágrimas. Pelos olhares, esperavam a minha aprovação.

Abri um sorriso de gostosura.

Hortazevedo
Enviado por Hortazevedo em 23/09/2008
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