Móbiles celestes

Anoiteceu. Um menino só, com um fio de assobio, ficou empinando a lua. Grafite -1991

Pandorgas, pipas, como quer que você as chame, são móbiles pendurados no céu e o pintam com mais cores do que o arco íris e mais movimento do que um bando de andorinhas ao anoitecer.

Tínhamos nomes para cada pipa, conforme seu formato: arraias eram trapezoidais ou algo assim, papagaios, losangos, pandorgas, hexágonos, no mínimo, e os tais de bidês (de onde tiramos esse nome, afinal?) eram no formato de caixote com asas que, quanto menores, mais agressivo tornavam seu vôo. Taquaras, bambus ou painas asseguravam as estruturas; papel de seda, alfinetes, especialmente no caso dos bidês, linha e cola feita com araruta e água quente completavam a lista do material necessário para sua confecção

Um carretel de fio de costura número 10 e a diversão estava garantida. Não se usava cerol e a maior competição era, no máximo, ver quem conseguia soltar a sua mais longe. Não era raro sermos surpreendidos por fortes ventos, e mantê-las no ar ou recolhê-las transformava-se num exercício de paciência e muito cuidado, às vezes infrutífero, pois a linha arrebentava e só restava correr atrás, o que normalmente não trazia resultado. Como neblina fora de hora também é um capricho do tempo em São Bento, acontecia muito de a pipa desaparecer e precisarmos realizar vôos cegos, sentido a situação pela tensão da linha.

Quantos desafios e quantas aventuras naqueles pedaços de papel ligados às nossas emoções por um fio de linha! A “civilização”, infelizmente, quer acabar com as pipas: prédios, fios de luz, postes, cada vez mais, cerceiam sua liberdade. Árvores, não, elas são parceiras de emoção e quando aprisionam alguma delas, é pelo desejo de participar e de sentir mãos e pés subindo nos seus galhos mais altos para resgatar aquele pedaço de sonho que ali se alojou.

Li que um adolescente foi morto por outro jovem por causa de uma pipa. Esse jovem nunca soube o que é uma pipa e toda sabedoria e poesia que ela encerra. Foi pego pela polícia, mas, mesmo que não o fosse, ela nunca seria dele de verdade; poderia possuí-la fisicamente, destruí-la, fazer o que quisesse, mas os milhares de anos de sabedoria, beleza e deslumbramento continuariam a vagar pelo espaço em busca do cuidado de uma criança que estivesse a olhar para o céu, nem que fosse para empinar a lua, sozinho.