Você voltou

Há tempo não nos víamos. A culpa é minha, eu sei, em outros tempos, quando hemisférios não eram tão longínquos, a encontrava mais vezes, em outros lugares, em outras épocas. Acomodei-me, talvez, e as necessidades da vida, as mesmas que afastam você de mim e me fazem esperar tanto tempo, fixaram-me por aqui, no Sul, muito longe de seu perfume sazonal.

Enganava-me com uma porta batendo, abria a janela, respirava mais fundo, achando que era você que havia chegado, iludindo-me com o tempo de espera, pois você nunca se adianta. Nem atrasa, lembrava à guisa de consolo. Mesmo assim, abria as cortinas e escancarava a porta da frente para que você entrasse escondida, quem sabe, aproveitando-se de minha distração para surpreender-me à procura de um casaco para me agasalhar do frio e desse chuvisco que teimava em povoar os dias.

Ilusões! De ilusões vivemos à medida que mais perto chegamos do sonho de eternidade e, por medo de não alcançá-la, cremos tê-la em nossas mãos e mentes no tempo que a correnteza leva.

Há dias senti os sinais que você mandou e soube que a espera estava chegando ao fim. Contei cada brisa para saber quantas faltavam para você chegar.

No domingo, seus emissários vieram com estardalhaço, mas, calejado pela espera, não acreditei muito. Fez sol e vento, e, na rua, parei o carro para dar passagem a uma borboleta recém saída do casulo, deduzi, pela perfeição das asas e brilho das cores. Flor desabrochada travestida de borboleta.

Pelo sol que fazia, almoçamos na área. Uma abelha silvestre voou ao meu redor e pousou no meu dedo. Não entendo a língua das abelhas silvestres, mas me convenci: você a mandou para que eu acreditasse em sua volta e diminuísse a ansiedade da espera.

Na segunda-feira, às 12h44, você voltou e trouxe vento no seu suspiro, para mover os galhos e carregar o pólen em seu colo e espalhá-lo pelas flores para que a vida renasça. O sabiá cantou diferente e era um canto de sedução. Os bicos de láquea ficaram mais afoitos e cada pássaro procurou um riacho ou uma poça para banhar-se e dar brilho às penas. Toda Natureza se alegrou com sua chegada, e de seu perfume.

Bem-vinda de volta, Primavera, que seu tempo de visita seja pleno.