UM INDIO CARAJÁ CHAMADO KUMARRIRA

UM INDIO CARAJÁ CHAMADO KUMARRIRA

Esse era o nome dele. Um índio Karajá, esguio, corpo com músculos torneados pelo remo, feições delicadas, nariz bem feito, olhos e cabelos negros luminosos. Em seu rosto havia a tatuagem de dois círculos, logo abaixo dos olhos - marca da tribo - completavam o charme do índio. Por ser bonito, foi o único a ser convidado por uma revista de telenovela para ser o artista da história.

É verdade! Naquele tempo novelas eram contadas em revistas de quadrinhos com fotografias.

Ele foi o mocinho e na história salvou a mocinha, - uma loura exuberante - das piranhas, jacarés, onças e bandidos e teve direito a beijo na boca no quadrinho final, segundo ele. Mas isto é outra história.

Ficamos amigos e muito mais. Ficamos sócios. Vou explicar: Na região, índio não podia comprar bebida. Branco podia. Índio tinha dinheiro. Branco não.

Planejava-se a pescaria. O sócio aqui buscava as garrafas de Velho Barreiro e o sócio ali, pescava. A pinga e os peixes eram divididos ou comia ou bebia mais quem tivesse mais fome ou mais sede. Tudo regimental.

Kumarrira tinha uma forma especial de assar os peixes e fazia questão de preparar a comida.

Quando chegávamos ao local escolhido, por coincidência, sempre uma praia com areias brancas derramada sobre o rio Araguaia, armava-se uma fogueira forte.

Kumarrira seguia em direção ao rio, jogando a sua tarrafa de boca bem aberta, cercada de chumbo, malhando pacus, piaus, cachorras, piranhas e qualquer coisa desavisada que passasse por ele.

Voltava com o balaio cheio de peixes. Eu ficava para olhar a fogueira e começar a tomar os primeiros goles de pinga pra saber se estava boa.

Kumarrira cavava um buraco fundo na areia. Com paus puxava as brasas (daquela fogueira acesa logo que acampamos) para dentro do buraco e cobria as brasas com areia. Sobre essa areia, eram depositados os peixes enrolados em folhas de bananeiras, previamente limpos e temperados por dentro com sal.

Peixes empacotados, acomodados, mais areia, e o buraco tampado agora, comia os nossos peixes. Por cima dele, o Carajá começava a atiçar uma nova fogueira.

Hora do papo, de mirar o rio, ouvir os pássaros, o som da mata, hora das histórias, das lembranças e dos goles. Cada um a contar as suas historias, muitas vezes repetidas, mas nunca iguais, mudadas pelos goles tomados ou mesmo por força da saudade.

Quando a fogueira abaixava, fumegando sem brasa, e a garrafa estiver seca, está na hora. Ele retirava com carinho a areia quente do buraco até achar o pacote feito com folhas de bananeiras. Quente, fervendo, a nossa comida embalada era arrastada com cuidado para longe do fogo.

Agora, sentindo o aroma da carne cozida, não pedíamos mais nada. Nós ficávamos completamente felizes, comendo, olhando o rio Araguaia no entardecer com a alma em estado de graça.