Estou rica!

Esta semana, descobri algo sobre mim que nem desconfiava: estou rica! Não, caro leitor, eu não ganhei na loteria, nem fui promovida. Tampouco casei-me com um milionário. Mas, lendo o jornal, deparei com uma matéria que me informou que faço parte do contingente de 3,6 milhões de brasileiros que passaram da classe de renda média para a classe de alta renda, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Detalhe: segundo o estudo, classe de alta renda é quem ganha a partir de R$ 1.350,82.

Fiquei sem saber se eu ria ou chorava. Puxa, sou rica e nem tinha percebido! Como é que então preciso ralar para pagar minhas contas, fazer hora extra, trabalho extra, e ainda assim minha conta bancária chega no final do mês quase no vermelho? Confesso, tenho uma poupança, mas este será um dos meses em que terei de assaltá-la para não entrar no cheque especial. Tenho casa, uma casa de dois quartos, mas está só metade paga. A outra metade, bem, lá se vai boa parte do meu salário para pagar as prestações mensais ... Outro tanto vai para o consórcio do carro, e somando-se comida, aulas, um que outro carnê de loja, festa uma vez por mês que também sou filha de Deus, e lá se vai toda a minha "fortuna" de classe de alta renda...

Não sou das pessoas que mais gastam, não tenho filhos para sustentar. Pago minhas contas, não me falta nada essencial e graças a Deus sempre dou um jeitnho de ainda me divertir, até mesmo de viajar muito de vez em quando. Não estou reclamando de meu salário, que acho apropriado (está até um pouco acima do limite estabelecido pelo Ipea para ser considerado renda alta). O que não posso entender é como alguém que ganha pouco mais de três salários mínimos (mínimos, veja bem) possa ser considerado rico. Ou alta renda não quer dizer rico? E como seria chamado quem ganha mais de R$ 2 mil por mês? E R$ 5 mil? Seriam esses milionários? Duvido muito que figurariam nos rankings internacionais de riqueza...

Estou, entretanto, reclamando de barriga cheia, como se diz. Se a denominação de alta renda não me parece apropriada, o que dizer então da de renda média, à qual segundo o mesmo levantamento pertence quem ganha a partir de R$ 545,66? Eu não sei se, ganhando esse valor, eu conseguiria viver. Na cidade onde eu moro, esse é o valor de um aluguel, e não dos maiores apartamentos. Como alguém vai sustentar uma família com essa "renda média", que é apenas R$ 130 a mais que o salário mínimo? Aliás, aqui está outro conceito dúbio: mínimo para quê? As necessidades básicas não são comer, vestir, morar?

Só sei que, com esses tetos de certa forma risíveis, é muito fácil alardear que 13,8 milhões de pessoas subiram de faixa social no Brasil. Basta ganhar o salário mínimo mais algumas horas extras, e lá está. Classe de renda média. O que os pesquisadores não se dão em conta é que sobe o preço da comida, do aluguel, da gasolina, do vestuário, de tudo, e os salários não acompanham. Há poucos anos, eu ficava triste ao ver que me encaixava na faixa de renda baixa. Mas conseguia viver com o que eu ganhava. Hoje vivo da mesma forma, sem muitos luxos a mais, e me dizem que eu posso ser considerada rica.

Então, tá.

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 25/09/2008
Código do texto: T1196532
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