Deficiências...humanas!




Tenho ouvido e visto muita gente pelos caminhos da cidade a pedir, a mendigar, alegando suas deficiências físicas e, fico pensando: o que motiva tais pessoas a se comportarem dessa maneira, a explorar-se a si própria numa falta completa de amor por si próprio.

Quando trabalhei como operária na Companhia Rhodia, lá pelos idos de 60, tive uma companheira totalmente cega do meu lado. Eu, que enxergava muito bem, deixava a esteira passar e não conseguia dar conta dos vidros de remédios que passavam para serem encaixados (colocados nas caixas), mas a moça não perdia um. O que passava pela sua “visão” ela os pega sem acumular um único vidro, tamanha a rapidez de suas mãos. Resultado? Eu levava a maior bronca da chefia que me ameaçava de mandar embora se eu não desse conta. Uma vergonha para mim e raiva da moça cega que veio me mostrar quanto eu era deficiente visual (enxergava e via ou via e não enxergava, sei lá).

O tempo passou fui estudar e li muito. Li muitos exemplos de auto-superação, de esforço de boa vontade, de paciência, de obstinação e, por conseguinte de vitórias pessoais incríveis.

Há poucos meses a pára-olimpíada nos mostrou isso. Registrou a incrível vitória dos deficientes de todos os tipos se auto superando, vencendo barreiras enormes, verdadeiras montanhas Everest... Aconcágua, juntos e mais outro tanto...

Aí eu questiono. Onde essas pessoas que pedem, que se agitam, nos faróis a pedir (inclusive fui agredida verbalmente por um deficiente quando pediu e meu esposo disse que não tinha naquele dia nada para lhe oferecer, e ouvimos um sonoro “filhos da puta!”) a poucos dias do Natal. Não tínhamos mesmo, pois estávamos voltando infelizmente das compras ou felizmente, não sei. Voltávamos até preocupados de algo acontecer e estarmos “a pé”, pois raspamos as nossas quireras até o fim. Cheguei a pegar um pacote para oferecer, mas ele recusou. Queria dinheiro. Aquela situação ficou gravada. Na hora tive remorso, vergonha. Uma porção de sentimentos. Fui para casa magoada e meu marido bravo comigo, que eu não devia ficar daquele jeito. Que não adiantava nada. Cheguei em casa e meus afazeres me ocuparam o corpo e a mente. Esqueci do fato.

Ontem ouvindo o rádio, houve uma menção à Hellen Keller, uma frase de sua autoria. Não guardei a frase e hoje fui pesquisar o que ela havia dito ao mundo que foi citado como exemplo. Como professora que sou, já havia lido, há algum tempo um trabalho acadêmico sobre ela, sobre a inclusão dos deficientes no mundo atual. Lendo recordei sua biografia, sua garra e determinação, bem como de sua Professora Anne Sullivan Macy que a acompanhou a vida inteira. Sua trajetória de luta em prol dos deficientes é uma bandeira a ser erguida sempre, aliás, não pode ser derriada nunca.

Hellen Keller só tinha dois sentidos para perceber as coisas que a circundava. O tato, o paladar e um terceiro: a emoção. Ela gostava de sua vida. Emocionava-se com o tremor das árvores, com a frieza das cascas das árvores em sues dedos, com o frio do gelo. Observava com as mãos. Enxergava com as mãos. Cantava com a mão e o seu corpo todo. Estudava, lia, porque aprendeu a sentir as vibrações da garganta de sua professora, com as pontas dos dedos. Conhecia cada amiga sua pelo tato. Formou-se em filosofia. Deu palestras, escreveu livros. Triplamente deficiente física. Mas não era deficiente moral. Amplamente eficiente. Não tinha autopiedade. Queria vencer. Provar que podia ser igual e ter os mesmos direitos. Provou e venceu.

Em 1968 morreu e deixou esse enorme legado de exemplo para a humanidade:uns, deficientes físicos outros deficientes moral. Criou instituições de ajuda, de ensino, divulgou e se deu de exemplo. Morreu com 88 anos de idade, vitoriosa, pois viveu todo esses anos na mais rica e dignificante deficiência da qual nunca se envergonhou. Teve como amigos pessoas muito importantes e célebres como Alexander Grahan Bell, entusiasta das comunicações sociais e individuais.

Mas o que tem Hellen Keller com o deficiente da rua? Existem vários projetos gratuitos para ajudar a inclusão de deficientes ao mercado de trabalho. Vou ao Servidor Público Estadual e vários ascensoristas são deficientes. A secretária da minha escola, deficiente física. A pasteleira do Shopping, também, deficiente física. E... Porque ele estava ali? Tão irritado mal humorado xingando quem não lhe desse o que queria? Talvez a auto piedade o impeça de procurar ajuda. Sim, porque elas existem e é só ir buscá-las. E como foi até lá? Alguém o levou?
Sei que preciso e devo ajudar os necessitados. Porém não devo ser xingada, nem maltratada. porque naquele exato momento não tinha nada. Será que sou obrigada a andar sempre com dinheiro para dar na rua sempre que pedirem? Será?...Será que está acontecendo algo invisível aos meus olhos? Gostaria de saber.

Gostaria que esse senhor conhecesse o exemplo dessa criatura realmente humana, digna, que não se curvou diante dos problemas colocados pela sua natureza frágil, pois ela não nasceu cega o que aconteceu quando tinha dois anos de idade e teve escarlatina, cujo tratamento inadequado da época, provocou-lhe estes transtornos que tirou de letra.


São Paulo, 30/01/08
MVA
Enviado por MVA em 26/09/2008
Código do texto: T1197923
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