(Pintura: O retrato do homem com depressão - Vincent van Gogh)

(Música: Fuga - Handel)
 

Há poucos dias atrás, eu estava na fila do caixa de um supermercado e duas senhoras, que aparentavam uns sessenta anos, conversavam animadamente. Uma reclamava de desanimo, dores e outros sintomas vagos. Enquanto a outra esbanjava uma alegria contagiante e assim se referiu: “A minha vida se divide em duas partes, uma antes e a outra depois do uso da fluoxetina. Veja só, a minha filha separou do meu genro querido, o meu filho sofreu um acidente grave de trânsito e para mim é como se nada tivesse acontecido. Você não toma, como”?

 

A depressão como entidade clínica existe e precisa ser tratada com atenção e com carinho por parte dos profissionais de saúde que lidam com a doença. O que não pode existir é generalização do uso do medicamento, como se ele fosse uma panacéia, uma fonte de felicidade ao custo somente do preço pago no balcão da farmácia.

 

 

Parado ali na fila do supermercado consegui entender o porquê do elevado consumo de antidepressivos. A melhor de todas as propagandas ainda é a mais antiga, aquela capaz de causar inveja na outra pessoa, ou seja, a propaganda boca a boca.  A propaganda bem feita arrasta multidões para o consumo, mesmo que esse consumo tenha custo nocivo ao indivíduo.

 

Antidepressivos não são comprados em prateleiras de supermercados, existe um controle da vigilância sanitária para adquiri-los. Em paises de controles muito mais rigorosos que o nosso como EUA, Japão e União Européia, o uso de antidepressivo é bem maior que no Brasil. O uso abusivo não está na frouxidão da legislação e sim na maneira de pensar e de encarar a vida. 

 

Para o ser humano, a felicidade é encarada com uma vida sem dificuldades e sem dores. O trabalho, o lazer, o esporte, a arte e as religiões sempre foram instrumentos de superação das dificuldades e das dores da alma. O homem, através do trabalho, procura superar as dificuldades materiais da vida e a religião sempre foi um lenitivo para as dores da alma. Muito embora, religião e trabalho sejam importantíssimos para o ser humano, eles criam um vínculo de dependência e uma das maiores aspirações do homem é a liberdade. O individuo moderno precisa de mais tempo e de liberdade individual para produzir mais e para se sentir melhor.

 

A droga tida como “ideal” foi sendo aperfeiçoada com o tempo e experimentada por milhões de pessoas em todo o mundo. Anestesiar a dor da alma e embotar as dificuldades da vida, eis ai, a solução perfeita para libertar as pessoas dos antigos vínculos de dependência. Na atualidade, “sofrer é para trouxas” virou um lema, como se fosse possível e interessante uma vida sem nenhum sofrimento. O que se criou foi uma pseudo-independência, uma transferência de dependência, não uma solução.

 

A depressão, como doença bem diagnosticada, tem que ser tratado com medicamentos necessários e apropriado. O que não pode é usar medicamentos para tratar as dificuldades materiais da vida, as frustrações e as dores da alma causadas pelos desencontros de percurso que surgem na existência de cada um.


Roberto Pelegrino
Enviado por Roberto Pelegrino em 26/09/2008
Reeditado em 26/09/2008
Código do texto: T1197993