O IGARAPÉ ENCANTADO

O rio Tocantins passava lerdo e, com lambidas ia comendo as beiras do barranco que obrigavam o curso d’água a fazer uma curva fechada.

Pelo ângulo fechado do cotovelo, escapulia um pequeno rio que cercado pela mata formava um igarapé fundo, de águas negras. Era lá, a morada dos grandes tucunarés.

A pescaria era pela manhã. À noite eu não pescava por não ter coragem de enfrentar meus tantos medos protagonizados pelas enormes sucuris, famintos jacarés, escuridão e minhas piores fantasias.

Demorava quase duas horas de Baião, onde morava, até chegar ao igarapé. Água escura, calmo, rodeado de floresta virgem, o grande lago guarda segredos e muitos mistérios.

Da beira mais limpa, a linha com o peixe prateado como isca era jogada. Começava o jogo. Com braçadas fortes, recolhia-se a linha fazendo com que o anzol e sua isca brilhante subissem à tona e viessem virando, riscando a água, provocando o peixe.

O tucunaré, pesando cerca de quatro a doze quilos, com suas listas pretas sobre as escamas verde-cinza claro e um circulo preto na cauda, é um predador danado de bravo.

Ataca qualquer isca que se mova e quando ataca, vai com vontade. Na pegada, a linha dá um estalo, e em seguida, esticada e nervosa, vai zunindo, cortando a mão do pescador que solta, puxa, e vai “toureando” o peixe zangado, fazendo com que o coração ache o peito pequeno e queira sair pela boca.

O bicho é valente e luta para não se entregar. Quando finalmente chega à margem, cansado, virando de lado e se debatendo devagar, aparece estampado no rosto do pescador, um enorme sorriso de alegria.

Se macho, - sabe-se pela corcova logo atrás da cabeça - é tirado d’água com segurança.

Se fêmea, volta para lagoa, jogada para o alto, se mexendo, parecendo preparar o seu corpo no ar para um belo salto ornamental comemorando a vida, cai na água, fazendo barulho, estabanada.

“Volta danada, vai fazer machinho pra gente assar!”, era a cantoria do caboclo mariscador (nome dado aos ribeirinhos que se dedicavam a pescarias) Aldemário, meu companheiro de pescaria, toda vez que ele fazia voltar ao igarapé um tucunaré fêmea.

Depois, ao entardecer vinha o melhor. Preparar os peixes para a refeição merecida. Com uma faca amolada abria a barriga do tucunaré, retirava as tripas, lavando o peixe na água do imenso igarapé. Como tempero, somente o sal. Não tirava as escamas.

Enquanto um se ocupava do peixe o outro do braseiro. Cercando o calor, são fincadas duas varas com forquilha (virada para o céu), que depois de fixadas ao chão, fiquem com as forquilhas pelo menos a três palmos de altura do braseiro.

Unindo as forquilhas, três varas verdes fortes, para suportar o peso do peixe. Assente o tucunaré de tal forma que ficar firme sobre a cama de varas.

Vai conversar tomar umas pingas e olhar o misterioso igarapé.

Quando as escamas do lado do braseiro estiverem bem tostadas, quase queimadas mesmo, vire com cuidado o peixe.

Vai conversar tomar umas pingas e olhar a imponente floresta

que te rodeia.

Estão tostadas do outro lado? Então, está na hora.

É só colocar o tucunaré sobre uma folha de bananeira, retirar a pele que vai sair inteira com as escamas e curtir o prazer da simplicidade, tendo como parceiro de mesa um igarapé misterioso e uma exuberante floresta falante.