Anjos assassnos

Vejam e oiçam! Oiçam e leiam!

Um cidadão parlamentando com fúria indignada:

- Grades no jardim e tranca nas portas!

Nós, seus ouvintes atentos e desatentos, acabamos por entendê-lo. Referia-se aos ditos menores - a lei assim os chama - que vêm por aí fora praticando crimes a torto e a direito. Por um real mandam um cristão para o reino dos céus. Terror e medo por toda a parte.

Há dias um senhor foi trautinado na bonita praia de Copacabana: um bandinho de menores, para lhe roubarem a corrente de ouro, afogaram o cidadão nas águas salgadas em que nadava. Ontem, por um real, um menor esfacela a cabeça de um adulto. Ontem ainda, pude, com meus olhos azuis fervendo indignação, ver um menor, drogado na cola, dando pontapés num senhor idoso. Este não lhe dava prontamente alguns reais.

Hoje mais um crime dos anjos assassinos: esfaqueiam uma jovem mãe solteira que resistiu entregar-lhe a bolsa em que trazia o magro pagamento de uma faxina. Os dois menores foram detidos. Logo um mar de gente com pena dos anjinhos! Esses anjos não são as duas criancinhas, agora órfãs, de três e quatro anos. Mas, sim, os dois marmanjos de 13 e 14 anos que assassinaram.

Vejam! Um menor com armas? Sim, com armas, com facões, ou o que mais queiram. Nem há pai ou mãe, nem tio ou tia, nem amigo ou inimigo que seja responsável. Se o adulto é apanhado com armas para se defender, é um deus nos acuda. Um menor, não! Se um menor tem armas, ninguém lhas deu. Apareceram por geração espontânea. Mamãe ignorava. Papai não deu dinheiro. O psicólogo acode com explicação que apenas serve para irritar. O sociólogo ainda é pior em sua justificativa.

Se, para te defenderes, dás um empurrão num desses anjos da lei, e ele cai ou suja a ponta do nariz, processo em cima de ti. Agora o anjinho tem pai, tem mãe, tem tio. Não haverá advogado, nem juiz, nem tribunal que reconheça teu direito à legítima defesa. Atenuas o crime, se gritares que nem tens um centavo para ires à repartição fazer depoimento.

Contudo, como é justa essa raiva que te inunda. Menor que me enfrente com armas na mão, tentarei matá-lo antes que eu seja abatido por ele. Sigo a lei da sobrevivência. O mesmo faz um elefante que ataco: ele matar-me-á se acaso falhar meu ato de caçador agressivo. O mesmo faz um lacrau. Com menor armado com armas que matam não é assim. A gente o que pode fazer é não reagir e fugir, isto se antes não formos liquidados.

Porém, reagiste e venceste o anjo que te ia matar . Justiça em cima de ti. E, porque tens dinheiro, levam-te o que tens e o que tens de pedir emprestado para pagares a inocente brancura dos anjos assassinos. E tu, que trabalhas e, com o belo salário duma faxina, vens, alegre e pressa, para socorreres a fome de duas menininhas, deixadas em casa, passas a ser assassina, só porque salvaste a vida, tua e de duas filhas, também menores. Até a menoridade marginal dos anjos assassinos vale mais que a menoridade de duas criancinhas que apenas têm por elas as lágrimas e miséria duma mãe que nada mais faz que ganhar o pão da sobrevivência.

E mesmo. Grades nos jardins e tranca nas portas como o dizia a fúria do cidadão ao ver sua rua infestada desses menores cheirando a coca. Marginais semi-abandonados e criminosos por incúria de suas mâezinhas que gritam pela indenização judicial quando alguém, em legítima defesa, os manda para o reino dos céus. Um dia - quem sabe!! -, quando a venda for retirada dos olhos da justiça, essa mãe seja intimada a registrar, denunciar e assumir a existência do seu anjo assassino que está protegendo e lhe serve de fonte de ganho.

Para já, temos de ficar prisioneiros em nossa própria casa.

A rua é para os anjos assassinos.