Viagem de ônibus

Quem um dia fez uma viagem de ônibus – não essas que duram poucas horas, mas as mais longas, as que duram mais de um dia -, sabe quantos acontecimentos se desenrolam do seu início ao fim.

Tudo começa no embarque. Toda aquela gente amontoada, uns à porta do ônibus querendo logo entrar – como se lá dentro houvesse um prêmio ao que primeiro adentrasse -, outros com suas malas, caixas e sacos de todo tipo, competindo pelo melhor local no bagageiro do veículo. Não sei se toda essa algazarra, tamanha ansiedade, é fruto do medo de se perder o ônibus ou, antes de tudo, da imensa vontade de se sentir integrado à viagem, o sentimento comum de se sentir passageiro de ônibus.

Já dentro do veículo, é hora de procurar o local do assento, verificando de forma atenta os números das poltronas, contando um a um se possível ( aqui é 1 e 2; mais a frente, aqui é 6 e 7...), mesmo sabendo que o número a se chegar é do 20 em diante... Faz parte da integração! E confesso que não existe local mais congestionado do que corredor de ônibus na hora do embarque!

É justamente nesse momento, no embarque, que fato não muito raro acontece. Ao chegar no número de sua poltrona – sim, é o mesmo da passagem – você encontra sentado, já bem à vontade, um indivíduo. Você então o chama, e indaga se aquela prontrona é realmente a dele. A figura, totalmente sem escrúpulos – que obviamente entrou no ônibus antes de você para armar a situação -, começa a esbravejar: “É um absurdo, duas passagens iguais... Essa empresa é irresponsável... Como pode vender duas passagens pro mesmo ônibus?” Alguns segundos depois, ele olha pra você e diz: “Olhe, não tenho nada a ver com isso, eu cheguei primeiro!” Um verdadeiro cara pau! O problema só é solucionado com a presença do fiscal ou do próprio motorista, que conferindo meticulosamento o bilhete de passagem, comprova o erro, ou melhor, a artimanha do passageiro que por algum motivo perdeu o ônibus do dia anterior e quis embarcar de gaiato no ônibus do dia seguinte.

Todos acomodados em suas poltronas, resolvidas as querelas iniciais... Agora sim, vem o motorista dar a todos as boas vindas e algumas importantes instruções sobre a viagem ( já que não se pode viajar sem elas!).

E a viagem começa, motores ligados, pneus na estrada, e lá vamos nós...

De início tudo parece calmo, cada passageiro em seu devido lugar. Uns logo começam a tentar dormir, na esperança de o menos possível compartilhar dos acontecimentos que estão por vir. Os demais se entreolham num primeiro contato.

Pode-se até fazer amizades num ambiente desses, afinal, não esqueçam, a viagem é longa...

Alguns quilômetros rodados e já começamos a distinguir cada um dos protagonistas de nossa odisséia terrestre. O primeiro, e mais comum, é o “passageiro cantor”, aquele indivíduo que, de posse do seu novo discman, repassa a todos, em alto e péssimo som, a música da vez – que também num é lá essas coisas!

Outro passageiro bastante conhecido é o que posso chamar de “O contador de histórias”. É o cara simpático ao lado que logo puxa conversa e não pára mais. Geralmente conversa em voz alta para que todos do ônibus possam ouvir suas histórias mirabolantes. Um verdadeiro xarope!

E a mulher com as crianças? Ahh! Essa não poderia faltar. Viagem sem ela e seus pentelhos pode ser de qualquer outro tipo, menos viagem de ônibus.

É um pula-pula na poltrona, corre-corre pelo corredor, puxão na poltrona do passageiro da frente... Uma verdadeira zorra! E a mãe ali, como se nada estivesse acontecendo.

Terminado o dia, a noite chega, e com ela mais um distinto passageiro, até então desconhecido, revela-se, para agonia de quem está na poltrona ao lado: o “roncador”.

De todos é o que mais mal faz a seu par, o vizinho da poltrona. Ronca a noite toda, isso quando não satisfeito, resolve pender para seu lado – e é sempre para o seu lado, nunca para o lado contrário - e fazer de seu ombro travesseiro. Aqui cabe uma dica: Umas boas cotoveladas nunca é demais!

Quando amanhece, ele acorda como se nada houvesse acontecido, e ainda te dá um bom dia!

Agora, prestem bastante atenção no que vou lhes dizer; é importante: cuidado com o que vocês comem nos restaurantes de beira de estrada. Ocasionalmente, vocês podem se tornar num personagem inesquecível: “o abominável frequentador do banheiro de ônibus”! E não preciso dizer o porquê, né?

Bom, depois de muitas e muitas horas, a viagem chega ao fim. Muitos estão exaustos; outros, aliviados. E eu, que sempre fui um bom observador, despeço-me da viagem sem olhar para trás, para que não tenha mais o que contar!