RITUAIS DE PASSAGEM
 
Fátima Irene Pinto
 
Toda vez que a gente tem que passar de uma fase da vida para outra, sai tudo do lugar, é uma complicação e um estresse danado.
Não vou citar todas as transições porque a narrativa, que pretende ser concisa, viraria o Tratado de Tordesilhas.
Nossa vida divide-se realmente em quatro etapas ou em quatro estações.
 
"Adolescer"
Para algumas mulheres é um processo natural, mas para mim não foi. Tinha cólicas de rolar, e desde então meu mês passou a dividir-se entre os mais variados humores e estados de espírito conforme a ativação de cada hormônio. Por fim, meu médico descobriu o remédio certo para as cólicas, as espinhas sumiram e passei a aceitar com paciência  as TPM's, TPósM, e as TDM's (antes depois e durante) porque para cada fase, havia um humor ou um estado de espírito específico e na média geral, sobravam-me uns dez dias no mes em estado de graça.
 
"Adultecer"
No caso da mulher, a maternidade a faz crescer a toque de caixa. É tiro e queda para acabar com as bardas, ressarcir débitos e acumular créditos.
Engravidei justamente numa fase em que meu casamento estava em crise.
Lembro-me até agora do tremendo susto que levei quando o médico confirmou a gravidez.
Não me sentia preparada para colocar um bebê no mundo, dentro de um casamento que há muito já havia malogrado, mas que eu ía levando por não ter coragem de enfrentar meu marido ou por não querer causar sofrimentos à minha família.
Minha gestação foi complicada e devo muito ao meu obstetra. Ele acompanhou-e com um desvelo incomum e fez com que eu aceitasse com alegria o fato de estar grávida.
- Nossa, como bate forte o coração deste bebê!
Deve ser um molecão! Escute só! Tóin!Tóin!Tóin!Tóin!
É que havia dois corações batendo. Eu estava grávida de gêmeos!
Foi uma gravidez de alto risco e no parto quase embarcamos, mas por conta deste "quase", da perícia do meu médico, do pediatra, e das muitas orações que recebemos, sobrevivemos os tres.
Meus filhos choraram por exatos 6 meses. Foi um período atribulado onde o verbo dormir deixou de ser conjugado. Cheguei a ir para a cidade com um pé de cada par de sapatos, ou um brinco de cada cor. Cheguei a dar mamadeira duas vezes para o mesmo bebê porque eles eram idênticos, enquanto o outro continuava a chorar até cair a minha ficha.
Por sorte, tive a ajuda valiosa de minha mãe e de minha cunhada quando precisei voltar ao trabalho e, devagarinho (pareceu-me uma eternidade) as coisas foram entrando nos eixos.
 
"Outonecer"
A menopausa que para muitas mulheres é um bicho-papão, para mim foi sem problemas.
Simplesmente meus ovários cessaram a atividade e meu médico acertou de primeira o medicamento para reposição hormonal. Que maravilha! Meu humor estabilizou-se, acabaram as TDPM's, bem como as dores de cabeça latejantes que me faziam freguesa assídua do pronto-socorro.Tudo acabado.
Sabem de uma coisa? Eu renasci após a menopausa. Nove anos de bem-aventurança.
 
"Invernecer"
Mas ... agora eu entrei numa outra transição e não estou gostando nada, nada!
De 66 kg pulei para 76 kg, embora a alimentação seja a mesma de sempre.
Os modelitos que eu gostava de escolher a dedo em manequim 44 ou 46, pularam para 48. Agora é tudo G e algumas vezes GG. Por sorte a altura ajuda, e posso engordar sem virar pacote, caso eu pare por aqui, senão, ao invés de pacote eu viro um bloco grandão daqueles que compõem as pirâmides do Egito.
As costas (ou a costa, diga aí, Profº Pasquale) dóem horrivelmente e estão ficando vergadinhas. Os saltos altos que eu adorava, foram abolidos há muito.
Até cataratas apareceram misturando-se com uma miopia já alta e só sei que, de um óculos, passei a usar 4 (e não enxergo direito com nenhum deles).
Os dentes? Ah, os dentes! Muitos implantes à vista e eu tenho uma "paúra" danada de dentistas (herança do Dr. Floriano no Grupo Escolar, com aqueles boticões sinistros).
Sem contar a "paúra" básica dos meus bolsos, que no mínimo terão um ataque quando o dentista passar o orçamento. Se bobear mando arrancar tudo e fico banguela ... ou passo a usar dentadura com corega:-)
 
Como todo mundo faz check-ups nesta idade, eu também achei que deveria fazer.
Oh céus! Bem melhor tivesse ficado quieta em casa.
Deu tudoooooooooo!
E, como diante de qualquer coisa que se me apresente excessiva minha tendência natural é sair de escanteio, não estou tratando de coisa nenhuma.
Até que tentei, mas se tomo remédio para colesterol me dói a musculatura. Se tomo cálcio, meu intestino emperra. Se meu intestino emperra, tenho que tomar laxante. Se tomo remédio para tireóide meu fígado grita e eu fico agitada. Se eu fico agitada, tenho que tomar calmante ... e isto não tem fim, não-tem-fim !
Então falei para a minha velha carcaça:
- Escute aqui, Amiga, infelizmente não tenho como trocá-la por um modelo 0 km. Temos que continuar rodando do jeito que está mesmo. Favor não dar muita oficina!
Mas ô chente! Como me dóem estas costas (ou costa)!
E agora dei também para esquecer as coisas. A velha "máquina" tem dado sinais evidentes de desgaste e eu sinceramente não estou lidando muito bem com isto.
 
Admiro, sinceramente admiro, quem chega aos 55 anos e se cuida direitinho, faz dietas, exercícios, volta pontualmente ao médico, refaz exames periodicamente.
Conheço pessoas de 70 anos ou mais, completamente "saradonas", levando uma vida incrível.
Quisera ser assim, mas os médicos querem mais é distância de mim por conhecerem a minha desobediência, e eu quero mais é distância deles que, além de me darem muitos pitos, lógico, com as melhores das intenções, me pedem coisas que eu não consigo fazer:
como vou ficar sem meu café quentinho pela manhã e o cigarrinho que eu fumo em seguida?
Como vou virar o Horácio assim de repente e só comer folhas? Como posso esquecer o meu torresmo e o meu omelete com cebola? Como posso abolir os docinhos que eu degusto alegremente e que tanto levantam o meu astral? Como posso ficar longe do meu amado PC, se aqui é onde me sinto feliz?
 
É certo que uma hora a máquina vai emperrar mesmo, e queira Deus que seja "pá-buft".
Afinal, já coloquei dois varões no mundo, já plantei árvores, já escrevi livros.
Confesso que fico muito confusa quando vejo minhas amigas fazendo lipo, plástica, colocando botox, silicone, aumentando cá, diminuíndo lá, esticando acolá.
Parece-me um excessivo apego a uma matéria caduca e perecível, mas se isto faz com que elas se sintam bem, cada uma sabe de si.
Da minha parte  acho que o negócio é encarar o inverno da vida que, para uns chega mais cedo, para outros chega mais tarde, mas o fato é que ele chega. Não há como reverter o irreversível. Então se ele chega de qualquer jeito, porque ficar ensebando?
 
Não são as estações finais que nos esmagam mas o ritual de passagem de uma para a outra, até que haja uma acomodação.
O Inverno tem também os seus encantos desde que estejamos dispostas a aceitar as regras do jogo e uma delas é ser muito paciente com as dores, com a lentidão, com as rugas e flacidez. Esqueça que um dia você foi charmosona e que os homens faziam "fiu-fiu" quando você passava. No inverno da vida o que conta realmente é a beleza que está dentro porque a de fora desvanece rapidamente, com ou sem a sua aceitação.
Este é um tempo que a vida muito sabiamente nos reserva para reflexão e porque não dizer, nos prepara para o último ritual, aquele que é nivelador e absolutamente igual para todos: os 7 palmos!
Agora entendo porque minha mãe não perdia um terço do Pe.Marcelo, uma prédica do R.R.Soares, relia e trelia a Vida após a Morte do Léon Denis. Bate uma tremenda insegurança, sabe!
E coincidentemente, ando muito parecida com ela ultimamente.
 
04.10.2008
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fátima Irene Pinto
Enviado por Fátima Irene Pinto em 06/10/2008
Reeditado em 11/06/2009
Código do texto: T1213900
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