...matar duas vezes!

Quando garoto, vivi muito tempo de minha infância na casa de meus avós, num sítio próximo à cidade. O bom ali era a freqüência de visitas na casa. A casa estava sempre com muitas pessoas amigas e sempre rolavam muitas histórias e causos nessas aglomerações. Lembro bem de um desses causos, o do matuto que tentou matar duas vezes a onça!

Segundo o narrador, seu amigo, matuto mesmo, gostava de caçar capivaras, lebres, cotias, pacas, enfim à época um agressor da natureza. Um dia um vizinho o chamou para acabar com uma onça pintada, que estava visitando sua propriedade e atacando seu gado. Diante do convite inesperado, o matuto assustado teve que topar o desafio, pois era metido a caçador e sempre dizia que com ele era um tiro só! Com capivara, cotia, lebre, etc. era fácil, pois se errasse o tiro apenas perderia o bicho, mas e com a onça como seria?

Depois de dois dias pensando e se preparando para o serviço (agora era serviço mesmo, pois receberia por isso), apareceu o matuto dizendo que estava preparado para encarar a onça. O negócio era matar a onça duas vezes! Ninguém entendeu nada. Como matar duas vezes?

Ele mostrou a arma nova que havia comprado. Uma super espingarda, com cano duplo. Ele dizia que se puxasse os dois gatilhos ao mesmo tempo a onça morreria duas vezes. Era a sua garantia de não ser atacado pela onça. Caso errasse o primeiro tiro, acertaria o segundo.

Munido da super espingarda, lá foi ele esperar o fatídico encontro. Numa noite qualquer o bicho apareceu, e como estava de tocaia, mirou bem na testa da onça e apertou os dois gatilhos...! A onça veio com tudo para cima dele e por muito pouco não o matou. Ficou todo dilacerado, mas escapou para contar o causo e raciocinar no que deu errado.

Quando ele fez força para apertar os dois gatilhos de uma vez só, movimentou involuntariamente a espingarda e alterou a mira. Errou feio tanto um tiro como o outro.

Depois que sarou foi verificar pessoalmente o local do ocorrido e notou as marcas dos tiros. Acertou uma árvore! Estavam lá as duas cicatrizes juntas! Então concluiu que espingarda de dois canos não matava duas vezes. Melhor não matou nenhuma vez a onça! Mas ele quase morreu.

Porque contei esse causo que ouvi na infância?

Estava pensando no dispêndio exacerbado de energias para atacar problemas, que nem sempre são tão grandes assim. O Zé, um amigo famoso de histórias anteriores, diz que “tem gente que atira de canhão em formiga”. É mais ou menos isso que quero dizer. Se valorizarmos demais nossos problemas, acabamos por usar armas e munições inadequadas, com alto custo para nossa vida, quer emocional, profissional, social, etc.

Quando usamos armas erradas e atingimos o alvo, nem dá para perceber que o problema era pequeno, mas se acontece de errar o alvo, como aconteceu com o matuto e a onça, veremos que nenhuma arma consegue matar mais que uma vez!

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João Carlos da Silva
Enviado por João Carlos da Silva em 06/10/2008
Reeditado em 10/12/2008
Código do texto: T1214034
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