Nós, os escritores

NÓS, OS ESCRITORES

Por Marcelino Rodriguez

Dia desses uma amiga perguntou-me se os escritores são muito diferentes das

demais pessoas. Adoraria dizer que não, mas engoli em seco a pergunta. Minha

experiência como autor praticamente independente, numa solidão moral e

intelectual que acredito poucos homens terão sentido, com uma sensibilidade

que se choca ao ver o contra-senso moral e estético que se debate o mundo,

com preocupações que parece que só a mim tocam, tentando falar a estranha

linguagem do amor e da fraternidade no mundo hostil, confesso sim que ao

menos os escritores por vocação de alma, e não aqueles que possuem a

habilidade de escrever somente, são bem estranhos nesse mundo. Leva-se os

autores vocacionados moralmente uma vida de exílio.

Quantas vezes pensei e penso nunca mais escrever... viver uma outra vida; a

verdade é interesse de poucos. A bondade nesse mundo é quase um milagre. E a

solidão do entorno? Quem saberá o que é um coração de poeta? Quantas vezes

bateu em minha porta a pobreza, o perigo, a traição e o medo do naufrágio?

Quantas vezes a tristeza foi maior que a vida? Quantas vezes só eu via a

flor, a pedra ou a criança jogada? Quantas vezes calei-me ou escondi-me de

vergonha? Até que como São Francisco chega-se uma hora que se desiste de ser

compreendido e as palavras não bastam.

Os escritores são diferentes sim. Tem que trabalhar com o abstrato e a

incompreensão. O cronista Antonio Caetano resumiu assim: "eu costumo dizer

que o escritor escreve para os mortos e os não-nascidos. Seu diálogo com a

contemporaneidade é fortuito, contingente, circunstancial. Seus

contemporâneos mais o atrapalham do que estimulam. Na melhor das hipóteses,

o distraem. Antes de tudo, o escritor inventa a si mesmo com sua literatura,

gravíssima missão que nada tem a ver com essa ilusão chamada história,

cultura e outras bobagens a que se atêm os homens para acomodar seus

rancores e frustrações."

Claro que numa crônica com esse assunto, eu não pretendo ser original. O

fato é que meus conceitos não servem de modelo para o mundo destituído de

valores; honestidade, caráter , o exercício da bondade e da fraternidade que

são, a meu ver, indissociáveis dos vocacionados, os tornam quase seres

fantásticos no mundo de hoje. A tristeza é grande e a solidão imensa, a

sobrevivência sempre em suspense. Não poucas vezes sente-se a vontade de

partir. Onde pode se refugiar uma alma sensível senão em si mesma? Meu pai

era pintor de paredes. Lembro-me que certa vez deu-me uma gaiola para

pintar. Oxala eu tivesse ali descoberto outro talento! Chego a emocionar-me

ao pensar nessa possibilidade. De que vale ser músico num planeta surdo? O

Rabino Nilton Bonder disse que escritores, poetas e intelectuais, por

viverem num mundo irresponsável, sabem que o melhor lugar pra eles é o

exílio, esse país imenso.

Houve tempo que sonhei com ser reconhecido, ser um grande homem. Um ser

mitológico. Lembro-me que o revisor de meu primeiro livro olhou-me com uma

cara cheia de compaixão e disse: Boa Sorte, poeta! Na época eu todo

confiante perguntei-lhe: "porque Voce está me dizendo isso dessa maneira? Vc

não acredita na literatura? Ele disse: o caso meu caro, é que as pessoas

querem usufruir do talento, mas não querem pagar por ele. Disse-me isso há

exatos dez anos atrás e hoje entendo bem o que ele quis dizer. Um dia só

espero esquecer de tudo, assim como ser esquecido. Um eterno esquecimento

recíproco. Sim, minha cara amiga, escritores são diferentes. Como diz Pessoa

"quem tem alma não tem calma". Espero não tê-la decepcionado com minha

crônica melancólica.

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Marcelino Rodriguez Rodriguez
Enviado por Marcelino Rodriguez Rodriguez em 10/03/2006
Código do texto: T121480