Só assim?

Não acredito em acasos como mensagens, mas gosto deles e, no fundo, “no creo en brujas, pero que las hay, las hay”. Nas duas últimas semanas conversei com pessoas de lições de vida bastante dramáticas, mas de superação. Não serão grandes novidades para alguns (como não perguntei às pessoas se poderia usar seus exemplos, mudo detalhes) mas a reflexão vale a pena.

Homem de sucesso, exemplo de capacidade e dedicação. Um dia, dor de cabeça acima da média. No meio da noite, um lado paralisado. Depois, o longo, longo reaprendizado, intermináveis sessões de fisioterapia e a educação da cabeça. Tudo se tornara secundário: o ser imprescindível, os eventuais bens materiais, o poder que o cargo, a dedicação e a competência lhe conferiram. Segurar uma colher ficou mais importante do que dar a palavra final em assunto cuja decisão implicaria em montanhas de dinheiro. Sentar-se com segurança no vaso sanitário, uma vitória maior do que refastelar-se na poltrona da primeira classe em vôo rumo ao fechamento de vultuoso contrato. Sentir a presença da família e daquele amigo humilde, um prazer que nenhum badalado evento social alguma vez lhe deu.

Recuperou-se plenamente e conversamos um tempão durante o que seria seu concorridíssimo expediente. Agora dá-se o tempo do desfrute. E o empreendimento é, cada vez mais, um exemplo.

Por trabalhar muito, juntou o que achava que seria sua independência financeira quando o tempo chegasse. Um assalto pôs tudo a perder. Com o tempo recuperou-se um tanto. Numa reforma da casa, faltava apenas tirar um pedacinho de uma tábua. Ele tirou. Juntamente com três dedos da mão direita. Inclusive o indicador, imprescindível no seu trabalho. Tentativas de implante não frutificaram. Os meses e os dias se sucederam às horas, treinando fazer o trabalho apenas com o polegar o mindinho. Colegas, amigos, familiares sempre presentes, solidários, em busca de soluções. Reaprendeu e é excelente profissional.

Mulher com câncer. Viagens diárias para tratamento. Saiu da empresa onde era sócio para poder melhor se dedicar a ela. Seus olhos brilham e o sorriso prova que está convicto de ter tomado a decisão correta.

Por que só aprendemos o valor das pequenas coisas, dos movimentos, da capacidade de fazer, do amor, das pessoas, da solidariedade, dos gestos mais simples, das surpresas de cada dia quando acontece uma grande contrariedade?

Por que só assim?