A São Chico

Não deu tempo, na sexta à noite, de ir à São Francisco do Sul para a inauguração da reforma do Mercado Municipal. No sábado, uma chuvinha fina e chata, aliada a um frio não muito bem-vindo, quase nos fez desistir de ir, mas fomos.

O que alguém que, como eu, nasceu em cima da serra e viu o mar pela primeira vez aos 10 anos e, depois que o viu, se apaixonou de tal forma que sente um inexplicável banzo cada vez que se afasta, só curável ao se deparar com a imensidão das águas, pode dizer da São Chico? Que é bálsamo, no mínimo. E estávamos no deck, andando sobre as águas, visitando o Mercado. Ficou aconchegante, agradável, com jeito de nostalgia. A chuvinha sumiu, o frio procurou lugar para se esconder e o sol abriu janelas nas nuvens até tomar conta da baía. “Saudações”, disse ele, e retribuímos com sorrisos.

Crianças pulando sobre a madeira para ouvir seu som, um casal de ciclistas super equipado, gente fotografando, sentada, conversando, num improvisado e alegre culto ao mundo de Deus. “Religare” é a origem da palavra “religião”, era o que cada um fazia, mesmo sem se dar conta: religar-se com a Criação. O mesmo engraxate, com a mesma conversa de cobrar apenas 50 centavos para sensibilizar as pessoas e conseguir mais delas, e o mesmo mar, mais alto e mais verde devido à maré alta. Um ótimo “Partagas” comprado a baixo preço no Bar do Bolacha (pronto, entreguei a fonte), sentado no deck, vendo o dia se recolher, encompridando as sombras, transformando os barcos em silhuetas e deixando rubra a montanha, com reflexos que se mexiam na superfície da água. Quem queria ir embora?

A história da São Francisco diz que há quase 500 anos recebeu os primeiros visitantes europeus. Acho que é mentira: alguns vieram bem antes, mas não contaram para ninguém; esconderam dos outros como quem esconde um tesouro dos olhos ávidos.

Se você estranhou que trato São Chico no feminino, remeto a uma coluna publicada no ano passado, onde falo que mar, para quem gosta, é feminino. E é feminina a São Chico no meu coração: uma jovem velhinha coquete, ciente de sua beleza e do fascínio que exerce sobre os que lá vivem e sobre os que passam, querendo ficar. Uma fascinante mulher, antiga e moderna, que não permite que o progresso interfira na calma caminhada, à disposição para muitos pores do sol, silenciosamente, conversando com a mar.