A FABRICA DE JORNAL EMBUTIDO

Morava em Belo Horizonte, no bairro São Lucas em um prédio de três andares no apartamento pequeno, mas que abrigava bem a família. Ligia, os três meninos (o mais novo recém nascido) e eu.

A vidinha era agitada e sempre as noites de fim de semana recebíamos visitas de muitos amigos. Um dos “tira-gostos” mais requisitados era uma linguicinha frita que acompanhava muito bem o pão de queijo.

O problema é que a qualidade da lingüiça encontrada não correspondia aos nossos gostos. Umas tinham corantes demais, outros produtos químicos em abundância, gordura sobrando, carne suspeita e assim por diante.

Tomei uma decisão. Iria fabricar a minha lingüiça.

Comecei a empreitada visitando pequenos e grandes fabricantes em todo o Grande Belo Horizonte. Conversa vai, conversa vem, comecei a freqüentar os recintos das fábricas.

Cada fabricante tinha o seu segredinho. Mas todos tinham uma coisa em comum: a falta de higiene.

As carnes expostas, empilhadas em mesas que nunca eram lavadas. Moscas de todas as qualidades. Máquinas que trituravam carne e enchiam lingüiça que nunca eram limpas.

Os empregados, às vezes sem camisas e sempre sem touca ou luvas, suando e falando sobre a massa, faziam a incorporação de temperos e bactérias à carne com as mãos.

Em uma dessas visitas encontrei o maior “cara de pau” na arte de fabricar lingüiças. Era uma fábrica no fundo de uma casa em um bairro de Contagem. Escutem só a “originalidade” da receita dele.

Para conseguir 100 quilos de massa usava a seguinte proporcionalidade em sua receita: 40 quilos de carne de porco retirada da cara do suíno (por ser a mais barata), misturada com carne bovina, pescoço e peito. Em seguida mais 40 quilos de toucinho e 10 quilos de papel jornal previamente amolecidos em água, triturado até a consistência de pasta para serem acrescentados à massa.

Os 10 quilos restantes eram de água e temperos. Usavam sais químicos. Um para dar cor à carne. Outro para temperar. Um parar emprestar a massa o sabor de defumado. Outro para conservar a massa. Outro para fazer a massa “segurar” os líquidos e manter o peso. Depois de ensacada tinha aparência normal e gosto de lingüiça mito temperada.

Claro, frita, em um boteco animado, acompanhado de boa dose de pinga e de prosa, a lingüiça “descia” bem. Hoje não acredito que uma fábrica desta exista.

Desisti de copiar a receita e decidi que já tinha subsidio bastante para fazer a minha fórmula.

O local de minha fábrica, lógico, seria a minha residência. Convencer a Lígia foi o mais difícil. Mas com a filharada pequena e o trabalho enorme que tinha pela frente, seu tempo ficou pequeno para discutir fábrica de lingüiça e não deu muita importância para o meu sonho.

Comprei uma máquina de moer carne de um açougue falido, balanças, bandejas, facas e tripas secas. Adquiri um freezer que ficou instalado no espaço que sobrou – debaixo do varal na pequena área de serviço.

Tudo pronto, hora de comprar o principal ingrediente. A carne de porco.

Em Lagoa Santa, distante da capital mineira 40 quilômetros, achei o melhor preço, mas só vendiam porco inteiro. O peso variava de 120 a 140 quilos. Resolvi fechar a compra. O porco foi dividido ao meio e o “fusca” ficou com o espaço inteiro ocupado pelas partes do meu primeiro porco.

Guardei o carro na garagem e preparei para subir os três andares de escada. Tirar a banda do porco de dentro do Volks já foi uma proeza, equilibrá-la nas costas foi outra. Mas a pior foi subir os três andares com 70 quilos nas costas.

Ofegante, apertei a campainha e a Lígia com o Frederico no colo abriu a porta. Ela primeiro me olhou com aqueles lindos e profundos olhos azuis que ao focar no porco viraram violetas.

E, por não poder me atirar o menino, chorou. Frederico imitou a mãe e fizeram coro assustados o Henrique e o Murilo.

E eu lá, com um sorriso congelado e a pesada banda de porco nas costa com a família toda chorando.

Foi um custo organizar a fábrica de lingüiça.

Passei a fabricar 200 quilos por semana. Vendia no Mineirão, nos restaurantes, em bares e para uma fila de pessoas que fazia plantão nos finais de semana em minha casa.

Eu comprava a matéria prima, desossava, picava, moía, temperava, ensacava, congelava e vendia. A Lígia ficava com o dinheiro. Era o preço da lincença. Não importava. Nunca mais reclamamos da qualidade das lingüiças.

Hoje, eu passo a receita para vocês. Tomem nota:

Use só a carne de porco, preferencialmente pernil, pode ser dianteiro ou traseiro.

Picar em pequenos cubos na máquina de moer, usando o disco com seis furos (o de maior diâmetro). Ou se não tiverem a máquina, com a faca, em pedaços pequenos. A carne só não deve ficar moída.

O toucinho (banha do porco) essa sim deve ser moído até virar uma pasta. A quantidade eu não ultrapassava aos 10 por cento da quantidade da carne picada. Querendo, pode sim, evitar o toucinho.

Quantidade da mistura para cada 10 quilos de carne:

Um quilo de toucinho moído. 250 gramas de sal, alho em pasta 50 gramas, pimenta malagueta (bata no liquidificador a pimenta malagueta com vinagre e coe) 01 colher de sopa bem cheia do creme de pimenta e 01 colher de chá de noz moscada ralada. Só isso.

Os temperos devem ser misturados a um litro de água ou quando exigiam uma garrafa de vinho branco seco. Misturar bem para conseguir uma boa homogeneidade.

Despejado esta mistura sobre a massa em uma bacia, vá mexendo bem para incorporar o tempero à carne.

Deixe a massa em repouso de um dia para o outro, na geladeira e, sempre que possível, dando uma revirada nela, para permitir a absorção do tempero.

Não se deve colocar cebola, salsas ou cebolinhas para evitar muita fermentação.

No dia seguinte, começa-se o ensacamento da carne nas tripas de porco. Essas devem ser compradas em lojas especializadas, secas e salgadas e de diâmetro médio. As tripas de carneiros são muito finas, servindo melhor para lingüiça de frango. As tripas de porco são as preferidas.

Basta desembaraçar na quantidade desejada, colocar sua ponta na saída da torneira, aberta, com cuidado, e deixar a água escorrer internamente. A tripa vai se refazendo ao hidratar. Depois, molhá-la externamente.

Com a tripa reidratada, coloca-se a ponta em um funil, empurrando-a até que a tripa esteja acomodada na ponta do funil. Faz-se um nó em sua ponta e, vagarosamente, passa-se a colocar a carne temperada na tripa através do funil, empurrando com os dedos.

É conveniente ir fazendo furos com agulha grossa, ou se puder, com espinho de laranjeira na tripa para sair o ar e facilitar o embutimento.

Querendo mais pressa pode usar o enchedor mecânico chamado de “canhão” ou usar a própria máquina de moer carne. Só precisa ter um pouco de cuidado para não arrebentar a tripa com a velocidade do enchimento.

De outro nó na ponta que saiu do funil e está pronta para ser consumida. Se quiser conservar, mantenha o produto congelado. Dura seis meses. Para fritar, coloque a lingüiça mesmo congelada no óleo ainda frio e acenda o fogo médio. Desta maneira ela não desmancha e frita por igual. Agora, toma um tempo danado sô!