INCORPORANDO O ANIMAL DE PODER

Era um ritual xamânico, onde deveríamos descobrir e incorporar o nosso animal de poder. Já havia visto médium incorporando médicos, arquitetos, escritores, orixás e preto-velhos, mas jamais pensei que fosse possível incorporar um animal, a moça que conduzia o trabalho dizia que sim, que era até normal.

- “Fechem os olhos, respirem fundo!” dizia a moça, bem bonita por sinal, vestida de índia, com roupas compradas na Rua Vinte e Cinco de Março. – “Imaginem o seu animal de poder”.

Quando o assunto é visualizarão, sou cego de nascença; daí a minha dificuldade: pelejei, lutei, afastei todos os pensamentos, mas tudo o que eu conseguia visualizar era a minha frustração.

“ Esse animal sempre está perto de você.” – dizia ela, voz macia, de quem fazia aquilo o tempo inteiro – “ Não tenha medo. Incorpore o seu animal”

- Iaaaaáaaaaaaaa!!! - Alguém gritou do meu lado, me dando um susto danado. Pelos gestos e gritos, o sujeito que lembrava uma pomba no cio, parecia ter incorporado uma águia.

- Aaaauuuuuuuuu!!!!! - Uivou um lobo do outro lado. Era um sujeito gordo, de pochete vermelha na cintura. Pelos grunhidos que ele começou a fazer, juro que pensei que ele tinha incorporado um porco.

- Rooouurrrrrr!!!! - Rugiu um urso, na fila da frente, que de tão magro, mas parecia um louva-deus.

Frustrante aquela festa na floresta. Constrangido pela minha incapacidade de médium de animal de poder, fiquei olhando aquele cenário do Rei Leão, bem contrariado, mas para tornar as coisas piores ainda, fui repreendido pela moça que conduzia o trabalho, que havia notado que há tempos, meus olhos observavam tudo ao meu lado.

Fechei os olhos, e tentei novamente me concentrar, e surpresa: senti que havia um animal do meu lado. Minha cabeça começou a mover para cima e para baixo, senti que um longo rabo balançava para os lados, só podia ser o meu animal do poder me incorporando, só podia ser uma serpente, esse animal tão poderoso que representa o perigo do veneno e a renovação da vida, que é o símbolo da medicina e da sabedoria.

Que legal, pensei, enquanto minha visão ia ficando verde e a minha língua começava a falar serpentês.

- Sssssssserpeeeeenteeeeee!!! Tentei falar, mas nada saiu.

Tentei uma vez mais, mas minha língua parecia presa, nada de fluência em serpentês; onde estava a serpente, a cobra? Não estava, pelo contrário, comecei a sentir que incorporava outro réptil. Se não era a serpente, eu só poderia estar incorporando a multiplicidade do camaleão, ou a força do crocodilo, mas não, não era nenhum desses bichos não. Inconformado, decidi acabar o transe e ir embora...

- O que houve? Aonde você vai? – perguntou a índia do Paraguai, quando me viu levantar, pegar as minhas coisas e ir à direção da porta.

- Pó, de todos os animais que eu poderia incorporar, tinha que ser o Calango, meu? – respondi irritado com meu orgulho de médium ofendido - Tô fora!!!

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