ENSAIO SOBRE A INVASÃO SILENCIOSA DE UM AVC

Welington Almeida Pinto

Certo dia de julho último, preocupado com uma dor de cabeça, ocasião passageira de tonteira e vista turva, depois de ter tratado de uma irritação nos olhos, procurei o pronto-atendimento de um hospital da cidade. Como o Clínico Geral de plantão estava com agenda lotada, a recepcionista me sugeriu uma consulta com o Neurologista, disponível no momento.

No consultório, encontrei um médico que me encheu de perguntas e, após um demorado e exame físico, resumiu:

- Seu quadro clínico está bom, mas...

- Mas?

- Vou pedir a você uma tomografia.

- AVC?

- Suspeitas apenas. Não se preocupe, aguarde na sala de repouso que o pessoal vai logo providenciar a tomografia. Não se preocupe.

- Obrigado.

Pouco tempo depois o exame foi realizado. Voltei para a mesma sala, aguardando o retorno do médico com o resultado. Logo fui chamado ao seu consultório.

- Sim. Trata-se de Acidente Vascular Cerebral, sim – disse ele.

- Acidente!...

- É...

- Assim, assim... Sem nenhum sintoma aparente?

- Acontece. Melhor assim, ‘né? Não se impressione, vamos investigar mais. Para tal, vamos interná-lo.

- Hoje?

- Melhor. Vou encaminhar o pedido de internação e, enquanto espera, permaneça na sala de repouso. Chame alguém de sua família, certo?

Naquela hora, a vida começou a dar voltas. Liguei para minhas filhas e mais tarde já estava instalado num apartamento do hospital, onde permaneci quatro dias obedecendo a uma rotina de exames: sangue, ressonância magnética, ecodopplercardiograma transesofágico e, por fim a angiografia – um exame que todo Cardiologista deveria pedir ao seu doente na faixa de 50 anos. Resultado: isquemia na artéria vertical esquerda. Cientificamente: estenose grave tipo subclusiva em sua transição cervical-intracariana de aproximadamente 99 por cento.

Quando o neuro me deu alta, disfarçando um sorriso preocupado, ainda brincou:

- Deus está lhe dando hora extra. Vai precisar de um stent com urgência.

- Quanto tempo?

- Rápido. Mas, vai tranqüilo p’ra casa e aguarde que vamos agendar na “Hemodinâmica” a data disponível para o procedimento.

Deixei o hospital preocupado, como qualquer um diante de um quadro de saúde dessa gravidade. Vida por um fio!... Deus me dando hora extra!... Puxa, logo comigo, pensei. É assim: o apocalítico nos testa. E nos revela a nós mesmos.

Sem outra saída, encarei o desafio e fui logo procurar a sede do meu plano de saúde para aprovar a realização da angioplastia para colocação do stent. De cara, a Unimed/BH negou pagar a operação, alegando que meu plano era antigo, antes da Lei 9.656/98. Para cobrir a cirurgia e favorecer outros procedimentos mais modernos teria que migrar de plano.

Achei um absurdo e ilegal a proposta da operadora, até porque nunca me chamou para conversar, discutir um aditivo ao meu contrato. Afinal, foram anos e anos pagando plano de saúde em moeda corrente como cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, real... Uma fortuna! Na época, a empresa tinha apenas duas modalidades: Apartamento ou Enfermaria. Mesmo com a mensalidade maior, optei pelo primeiro, plano com ampla cobertura. E agora? Apesar da migração ser facultativa, me senti cruelmente pressionado numa hora que corria risco de vida - balança rebelde.

Pensei procurar a justiça e solicitar ao Juiz uma Tutela Antecipada, procedimento que obrigaria a Unimed bancar o tal stent e só discutir o mérito em audiência posterior. Pelo valor da causa, cerca 24 mil reais (preço da pecinha) não poderia a ação ser ajuizada no Tribunal Especial, somente na Justiça Comum. Desisti. Enfim, para não correr mais riscos e abusar das horas extras que Deus estava me dando cedi à coação e migrei de plano na operadora, aceitando as novas regras contratuais de um plano co-participativo. Então, minha operação foi imediatamente autorizada. Coação Irresistível, sem dúvida - no momento em que o tecido social se esfarela, aceitamos tudo da forma mais silenciosa possível.

A partir daí fui obrigado a concordar com uma mensalidade fixa 50% mais cara. E pior, ainda tenho que arcar com o pagamento de consultas, exames, taxas de internação hospitalar. Bruto capitalismo bravo!... Prática incoerente numa nação dirigida por um partido político que nasceu, cresceu e chegou ao poder empunhando a bandeira do ideário socialista.

Pobre classe média!... Para não ter que submeter ao sucateamento da nossa saúde pública, esse cidadão brasileiro, que é taxado por uma carga tributária das mais elevadas do mundo, outra vez, é obrigado a pagar à iniciativa privada pelo seu direito ao tratamento de saúde, tudo como se fosse mais um “imposto”.

A ANS - Agência Nacional de Saúde bem que poderia olhar esse quadro com mais sensibilidade social discutindo regras para garantir o direito constituído pelos consumidores nos contratos firmados com as operadoras de planos de saúde, antes da lei 9.656. Até porque, já deixamos uma boa riqueza em poupança no caixa dessas companhias. Negócio tão rentável no Brasil que todas elas, em cerca de 40 anos de atividade, têm hoje um patrimônio físico incalculável. O liquido, então, nem se fala.

Halleluya!...

* A angioplastia foi realizada com sucesso pela equipe do doutor Cláudio Eustáquio Lima, no avançado centro cirúrgico do Hospital Lifecenter de Belo Horizonte, Brasil, dia 12.09.2008. Especialista que encarou a gravidade de meu caso com sabedoria científica, experiência e capacidade profissional - tão grande o momento que, ao sair da anestesia, passei a refletir sobre as palavras do poeta português Fernando Pessoa: Deus quer, a homem sonha, a obra nasce. É isso.

** FBN© 2008 * ENSAIO SOBRE A INVASÃO SILÊNCIOSA DE UM AVC - Autor: Welington Almeida Pinto - Categoria: Crônica literária - www.cronicasgeraes.blogspot.com

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Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim. Chico Xavier

Welington Almeida Pinto
Enviado por Welington Almeida Pinto em 09/10/2008
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