Ensina-me a viver...

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“Depois de Ensina-me a viver, fica difícil eu gostar de outra peça de teatro”. Palavras de meu irmão que acabara de sair do teatro, onde estivéramos para assistir a uma das muitas comédias em cartaz em Salvador. Bom, meu irmão não é nenhum literato, nem estudioso de obras (literárias, cinematográficas, teatrais)... Aliás, meu irmão nem gosta muito de ler (aproveitarei esse espaço para expor essa sua podridão humana)...

De qualquer forma, apesar de ele não ser muito afeito a leituras, ele tem um senso crítico muito aguçado. E em relação à arte em geral, temos gostos muito parecidos. E em certa feita, fomos assistir a uma peça em cartaz aqui em Salvador, chamada “Ensina-me a viver” – a convite de nossa tia, que havia ganhado os convites e quis presentear os sobrinhos “cultos”...

Antes dessa peça, eu já havia assistido a várias e, em todas elas, sempre eu saía do teatro com aquela sensação de “poderia ter sido melhor”. Com Ensina-me..., eu chego a admitir que meu conhecimento teatral passou a ser definido entre antes e depois do que eu acabara de ver... Sim, assim como meu irmão, eu fiquei extasiada diante da história (sobre a qual eu ainda não havia lido), diante do cenário, diante do figurino, diante da temática, diante das personagens... E por falar em personagens e temática, eu preciso registrar a atuação de uma atriz baiana – Aicha Marques – que fazia a mãe de Harold – um dos personagens centrais da obra. Achei-a maravilhosa. Lembro-me que, depois da peça, fiquei horas falando sobre Aicha, com meu irmão....

Quanto à temática, bem, aí pára tudo!

Eu não posso falar da temática sem antes citar a personagem principal. Na peça, seu nome é Maude. Na vida real, Nilda Spencer. E aí não preciso dizer mais nada. Quem é baiano, ou mora na Bahia, ou pelo menos acompanha um pouco o cenário de dramaturgia, sabe muito bem quem é Nilda Spencer.

Claro que o enredo não é de autoria de Nilda Spencer. Mas pra mim é como se fosse...

O texto, de autoria de Colin Higgins, adaptado para o teatro, conta a história do relacionamento e da grande identificação entre um jovem adolescente, Harold, pertencente à alta burguesia americana, e uma mulher octogenária, Maude, apesar das diferenças de classe e de idade.
Harold é tímido, reprimido pela mãe, e com uma fixação por suicídios. Mas quando ele se apaixona por Maude, tudo muda. E o que Maude, uma mulher de quase 80 anos, poderia oferecer a um rapaz rico, bonito, e jovem? Ora... exatamente o que ele não tinha: humor e alegria de viver.

E é isso que eu acho que faz com que o espectador se apegue à peça. Nilda Spencer, naquele momento, passou-nos a história com tanta intensidade e poesia, que não há como a gente não achar que, na verdade, aquela ânsia de viver plenamente, fizesse parte da pessoa, e não da atriz... 

Sinceramente, mesmo que eu nunca tenha tido amizade pessoal com Nilda Spencer, e nem tomado conhecimento sobre detalhes de sua vida, eu tenho comigo que Maude era a própria Nilda...

Bom, e por que resolvi falar de uma peça que vi há pelo menos quatro anos? Porque hoje eu soube que Nilda Spencer se foi... E quando eu li a notícia, eu só me lembrei de Maude, e da intensa alegria de viver que ela transmitiu a Harold e a quem foi assistir à peça... Acho, realmente (e nem ligo se isso parece clichê) que as estrelas não morrem. Elas simplesmente passam a refletir o seu brilho de outro patamar. E, no caso de Nilda, do patamar em que ela sempre esteve...

O que nos resta? Penso que, da forma mais simples, como Maude se mostrou, desejar que essa estrela agora possa continuar a nos ensinar como viver nesse mundo que, já difícil de aturar, agora, parece ter um brilho a menos.

É isso.

(Adriana Luz – 10 de outubro de 2008)


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Adriana Luz
Enviado por Adriana Luz em 11/10/2008
Reeditado em 11/10/2008
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