"Morto Tem Desconto Especial no Itaú" =Crônica Financeira=

Pouco tempo antes de falecer, em abril do ano passado, uma pessoa ligada à minha família fez um saque a descoberto, de dois mil e trezentos reais no banco Itaú. Há dezoito meses atrás, portanto.

Já cansei de avisar ao banco que a pessoa morreu, faleceu, bateu as botas, defuntou, presuntou, parou de vez de respirar, foi-se, mudou pra cobertura, partiu de vez, passou a habitar o andar de cima, mas não adianta nada. A correspondência e os telefonemas continuam chegando e me fazendo rir. Rir porque só pode ser brincadeira. Brincadeira, aliás, de muito mau gosto: os dois e trezentos reais já se transformaram em dez mil e cacetada.

Ri mais ainda quando resolvi ir pessoalmente ao banco comunicar o falecimento e a atendente me informou, muito gentilmente, que eu poderia, se quisesse, assumir a dívida e pagar quatorze parcelas de R$799,00. Quase dei pulos de alegria! Que coisa boa!! Eu poderia pagar pelo falecido!!! Que oportunidade divina!! Era tudo que eu queria na vida! Já pensou que gostoso pagar ao pobre Banco Itaú uma dívida que não fiz? Saber que lá de cima – ou lá de baixo, que sei eu?- o devedor me agradeceria emocionado por deixar seu nome limpinho aqui na terra.

Não mandei a moça a lugar nenhum por ser um cavalheiro à moda mais ou menos antiga.

Agora, quando ligam do banco e eu percebo que são eles, atendo e aviso com voz cavernosa:

- Moça, eu não pooooosssoooo pagaaaar porque já moooorrri. Me cobre na próxima encarnação, por favoooorrr...

Ou então, quando começam com:

- Eu gostaria de falar com senhor Sicrano...

- Eu não gostaria nada, moça.

- Porque, senhor?

- Ele já morreu. De morto eu quero é distância.

Uma delas, distraída ou burra, continuou depois dessa última frase:

- Caso o senhor entre em contato com ele...

Essa eu mandei à p.q.p com todas as letras. Vá se danar...

Estou pensando em não avisar mais ao banco e a começar a colecionar a correspondência só pra ver quantos meses levará para a dívida do falecido chegar a cem mil reais ou a um milhão. Pura curiosidade minha.

Fiquei até meio comovido com a última correspondência recebida (carta pra morto eu abro se chegar à minha casa). Nela eu vi que o banco não é uma instituição tão insensível, tão totalmente desprovida de sentimento ou de uma certa compreensão quanto eu pensava. Existe até uma certa bondade, uma certa humanidade lá, por incrível que nos pareça. Senti um nó na garganta ao ler que se ele, o falecido, quitar a dívida à vista, no cacau, uma em cima da outra, lhe será concedido o incrivelmente bom desconto de treze por cento!! O que acredito ser menos do que a porcentagem que cobram em apenas um mês, com o tal de “juros sobre juros-sobre juros-sobre juros-sobre-juros” que o nosso magnífico Governo os autoriza cobrar. Deve ser o nosso o único país do mundo em que existe o roubo autorizado, legalizado, aprovado e, quem sabe, até mesmo admirado e aplaudido pelas autoridades.

Quando, um dia, o banco desistir de receber e mandar a dívida para uma daquelas empresas que vivem de carniça financeira e aceitam qualquer trocado pela dívida, tentarei entrar em contato mediúnico com o aparentado. Se ele me fizer psicografar um cheque, assinado por ele lá do além, prometo que repassarei o cheque ao credor do momento. Seja o banco ou a carniceira. Se o cheque terá fundos já é outro papo. Não terei nada a ver com isso.

Por falar nisso, lembrei-me do dia em que recebi um cartão de crédito do Banco Pan Americano, aquele do Sílvio Santos. Junto com o cartão veio um comunicado garantindo que aquele cartão oferecia os melhores e menores juros da praça. Liguei só pra confirmar uma suspeita. E confirmei. A atendente, com um imenso “sorriso na voz”, disse-me que os juros eram de apenas doze e meio por cento (!!!) – “Ao ano?” – perguntei, fazendo-me de besta. – “Não, senhor, claro que não. Ao mês, senhor”. Quebrei o cartão e tive vontade de poder mandar ao dono um palavrão que termina rimando com baú.

Se eu adivinhasse a data da minha morte correria até o Itaú, faria um empréstimo dos bons e depois bateria as botas. Esse banco é legal. Dá desconto de 13% para quitação da dívida antiga à vista. Até emociona...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 11/10/2008
Reeditado em 11/10/2008
Código do texto: T1223071
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