Fotos de casamento

Eu estava lá sentado no banco da igreja vendo minha mãe casar-se com o homem

que a tornaria a pessoa mais feliz desse mundo e cujo casamento representava o início de uma vida plena e cheia de realizações. Eu estava lá, entregando as alianças, conversando com o vizinho de cadeira, observando aqueles homens e mulheres testemunhando com suas sagradas assinaturas o vínculo eterno de duas almas entregues ao amor. Eu circulava por toda igreja. Conversava com o fotógrafo. Explicava a ele o melhor ângulo para retratar aquele momento tão especial. Não havia tecnologia sofisticada na época, mas havia amor, vontade, esperança, sonhos...e isso era mais importante e, com certeza, seriam retratados mesmo naquelas fotografias em preto e branco. Foi através de uma dessas poucas fotografias em preto e branco que eu estive lá, consertando a gravata meu pai, contando as horas para que fosse celebrado o matrimônio. Era engraçado o bigode de meu pai naquela época, falo de mais ou menos trinta anos atrás. Tudo agora está fora de moda, acho... mas naquela época, naquele momento tudo estava belo e perfeito, tudo era esplêndido. Se eu estivesse lá de fato, diria amém à união, levaria os dois nos braços até o altar, talvez até derramasse lágrimas. Não tive essa oportunidade, mas, mesmo assim, hoje posso ir até lá e é incrível como essa viagem é real. A fotografia captou a emoção. Benditos sejais vós fotógrafos de casamentos. Benditas sejam vossas lentes e vosso talento. Bendita seja vossa tecnologia porque conseguiram registrar a alma, a alma nos olhos de minha mãe. Olhos expressivos como seriam os meus quando criança: meigos, esperançosos, suaves, bondosos, ingênuos. Olhar sem dor, sem mágoas, sem sofrimento algum. Ignorava as dificuldades, as discrepâncias, os segredos do outro que a prova da vida revelaria. Mas agora não importa o futuro, importa aquele momento. Os dedos entrelaçados, os sorrisos mútuos, as alianças compradas com todo carinho. Os filhos (ela queria quatro, teve três) e o futuro planejados, os presentes recebidos, os votos de felicidades, a emoção contida para não borrar a maquiagem, a benção recebida. Mas nada tão significante nas fotos quanto o olhar de minha mãe, jamais visto em filme de princesas e cinderelas, jamais interpretado por atriz alguma de Hollywood, jamais descrito por poeta algum: o olhar de quem acreditava que seria feliz para sempre. Olhar de noiva é assim, pelo menos foi o de minha mãe: um olhar de quem acreditava muito no casamento (claro), no ser humano, no relacionamento, nos sentimentos, no vínculo, no sentido inequívoco da existência, na conspiração positiva do universo, no destino, no amor, em tudo. Sua alma era um lago cristalino onde deslizavam patinhos sob uma luz suave de primavera, com flores colorindo tudo ao redor. O chão da igreja era de pedras preciosas e o altar aparecia envolto num arco-íris. Os filhos seriam todos anjos, um mais lindo que o outro (sobre isto há evidências), nenhuma crise abalaria tamanho comprometimento e desejo de estarem unidos. Meu pai, claro, era a pessoa ideal.

Esse olhar, obviamente, ignorava o futuro de desentendimentos que levariam ao divórcio quinze anos depois (era pra ser antes, mas esperaram as crianças crescerem).

Mas dessa fase cinzenta não quero falar. Quero voltar à alma, porque é nela que a vida é sonhada e onde reunimos energia para buscar o que queremos. Nessas fotos em preto e branco o que vi foi esse olhar e mais nada. Quase nada supera o olhar de uma noiva. É nele que reside a esperança íntima de um futuro feliz. É no olhar inocente, mas esperançoso de noiva de minha mãe que me pergunto hoje sobre quais foram os sonhos que conseguimos realizar como família e quais aqueles que ainda precisamos resgatar.

Josué Mendonça
Enviado por Josué Mendonça em 12/03/2006
Código do texto: T122315